Palmares, 12 de novembro de 2024

Vivendo a quaresma

20 de fevereiro de 2021   .    Visualizações: 523   .    Notícias da Diocese

*Pe. João Paulo Gomes Galindo

O tempo da vida cristã – no andamento incerto e quase desigual de nossa história recente – enfrenta os quarenta dias da Quaresma.

E imediatamente me lembro do mesmo período do ano passado: preso dentro de uma bolha de realidade inconcebível composta de ruas desertas, filas de supermercados, hospitais sem UTI, da primeira morte na cidade de Palmares (09/04/2020), igrejas esvaziadas, homens e mulheres lutando contra o confinamento, medo, doença e morte inesperada do nosso Bispo. Penso na Páscoa em que tentamos viver com uma sensação de cansaço e fadiga. Conto as semanas e meses que passamos, sem ter uma ideia clara de como poderemos recuperar o fôlego e alcançar um objetivo (que não é simplesmente a solução dos problemas atuais, ou a vacina, ou um futuro que duplica o passado).

O Papa Francisco escreveu que “a Quaresma chega a nós como um momento providencial mudar de rumo, recuperar a capacidade de reagir diante da realidade do mal que sempre nos desafia”. Temos (talvez) compreendido que o que vivemos – e ainda vivemos – não produz automaticamente uma regeneração moral de pessoas, povos e civilizações. A forma e a qualidade do futuro só podem depender de nós, dos ensinamentos éticos que poderemos tirar desta história, das consequentes escolhas práticas, esclarecidas ou não, que poderemos fazer daqui para o futuro. Sairemos do trauma da pandemia criando comunidade – já que comunidade é sempre um ‘fazer’ dinâmico e nunca um estado de coisas – e mudando nossas relações com o mundo.

Não creio que devamos, portanto, usar uma máscara (outra…) de conveniência religiosa, fazendo o papel de penitentes; ninguém nos pede para assumir um estilo contrito e submisso, para satisfazer a aparência de fazer o papel dos bons, ou para nos obrigar a gestos e palavras que não cultivamos por dentro. A Quaresma não é um grande heroísmo ou uma grande simulação. Pelo contrário, é uma paciência grande e serena: a paciência de quem se lembra de que é preciso semear para colher os frutos. A paciência de quem não obriga Deus a ser o que não é – garantia das nossas necessidades – mas o vê no sinal do humano que se reconhece gerado, querido, amado. Que se redescobre como filho que confia.

“Corramos com perseverança a corrida que nos é proposta, fixando o olhar em Jesus, aquele que cria a fé e a torna perfeita. Pela alegria que lhe foi colocada, ele carregou a cruz” (Hb 12,1-2).

A Quaresma para o discípulo é um exercício de liberdade, alegria, autenticidade: para que a ‘corrida’ da vida não seja em vão. A Quaresma é um treinamento da inteligência que busca a verdade, imersão naquela compaixão que não considera o outro um estranho. É ouvir uma Palavra que ressoa no centro de nós, que nos chama, que nos precede; é o silêncio que invoca e questiona na oração, o dos pobres que não têm pretensões. É a vontade de compartilhar, abrindo mão da sensação de segurança porque se acumula; é uma busca por nutrientes que não sobrecarreguem a existência, mas a tornem viva, resiliente, fecunda, produtiva.

A preparação para a Páscoa torna-se um apelo a viver, a olhar para cima, a redescobrir a densidade da nossa existência; envolve a mente, os afetos, nossa alma e nossos corpos.


Foto: YouTube

 

 

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