Palmares, 27 de julho de 2024

Primun Regnum Dei

30 de janeiro de 2021   .    Visualizações: 298   .    Noticias

*Pe. João Paulo Gomes Galindo

“Quem encontrar sua vida a perderá, e quem perder sua vida por minha causa, a encontrará. Quem te recebe, me recebe, e quem me recebe, recebe aquele que me enviou. Quem recebe um profeta como profeta terá a recompensa do profeta, e quem recebe o justo como justo terá a recompensa dos justos. E quem der até um copo de água doce a um destes pequeninos, porque ele é meu discípulo, em verdade vos digo: não perderá o seu galardão.”

Neste dia 30 de janeiro completo 6 anos de minha ordenação sacerdotal. O tema deste texto é o meu lema de ordenação e de vida. Neste texto, reflito alguns aspectos que tocam no meu coração, principalmente nestes tempos.

Vivemos numa época de certos perigos: a superficialidade, o narcisismo e o individualismo. Diante do relativismo e do subjetivismo, a solução é cuidar da fidelidade, amadurecer na intimidade e na espiritualidade de comunhão. Diante da exploração e do consumismo, contemplação, cuidado e reconstrução.

Na minha vida, tive vários modelos de padres que marcaram e marcam a minha vida sacerdotal. Até tive experiencias negativas de modelos que me fizeram aprender que: É de fundamental importância estar sempre de olho em você, refletir sobre você mesmo, manter-se fiel à sua pessoa e não ser cego. Você não deve glorificar o modelo de papel e colocá-lo em um pedestal, você tem que ver a pessoa por trás do modelo. Então é claro que ninguém é perfeito e todos têm fraquezas. Onde há luz, também há sombra. Se você ficar de olho no fato de que a outra pessoa também é humana e tem fraquezas, poderá ver como ela lida com isso em sua personalidade. É algo muito mais importante aprender: não só se orientar pelos valores e forças que se quer orientar, mas também aprender uns com os outros como lidar com o que talvez não seja claro e brilhante, mas escuro e difícil. Geralmente um modelo torna-se perigoso quando você se identifica muito com o modelo. Se você não tomar isso apenas como um modelo para se orientar, mas se você tentar muito imitá-lo e seguir seus passos. Quando você se torna uma cópia ou sucessor do modelo. Por mais importante que os modelos sejam, também é importante ficar de olho em você e em sua personalidade. Você tem que se diferenciar do modelo de uma certa maneira, diferenciar-se e perceber: este é o meu modelo. Isso é orientação e direção para mim. Mas ainda sou eu, meu caminho parece um pouco diferente, tem que ser completamente diferente porque eu sou uma pessoa diferente e trago diferentes pontos fortes e fracos. O personalismo ultimamente tem sufocado várias identidades, até o aspecto cultural e social das dioceses pobres do nordeste brasileiro.

O padre se sustenta pela fé. “A fé tornou-se difícil porque o mundo que encontramos é inteiramente feito por nós e Deus não aparece mais diretamente nele, por assim dizer. Você não bebe da fonte, mas do que vem em nossa direção já engarrafado. As pessoas reconstruíram o mundo sozinhas e tornou-se difícil encontrá-lo por trás disso.” (Bento XVI). A dificuldades das novas gerações é o olhar para o Cristo e em seguida para si mesmo. Há um olhar muito para o externo (se acham mestre da doutrina e da sabedoria universal) falta humildade e serviço, e principalmente autoconhecimento.

Minha vida é marcada por São João Paulo II, meu onomástico. Dele trago e busco viver algo muito importante o carisma do celibato. No início de seu pontificado, o Papa João Paulo II passou muito tempo falando sobre casamento e sexualidade. Seus discursos, (129 ensinamentos de 5 de setembro de 1979 – 28 de novembro de 1984), compreendem um ensino monumental denominado: A Teologia do Corpo. Sem dúvida, a Teologia do Corpo de S. João Paulo II será considerada o ensino mais profundo e completo sobre o assunto nos próximos anos.

No arranjo dos discursos do Santo Padre, descobrimos que antes de o pontífice tratar do sacramento do casamento, ele primeiro discute o celibato para o reino dos céus. Porque isto é assim? De acordo com a incrível visão de S. João Paulo II, só podemos entender o casamento entendendo o celibato.

No Céu, participaremos do incrível mistério das bodas do Cordeiro. Esta realidade é o cumprimento do carisma do celibato e da vocação do matrimônio. O sacramento do casamento é uma imagem ou um reflexo deste mistério vivido aqui na terra. O carisma do celibato é uma antecipação do casamento celestial vivido aqui na terra como um sinal carismático. O celibato é vivido como uma antecipação do mundo que está por vir. É o celibato que testemunha aos casados ​​que seu casamento aqui na terra é a imagem de uma realidade celestial, porque o celibato lhes torna presente a realidade escatológica em que todos viverão no céu.

Ser padre – é a realização de tudo o que significa ser um homem. Lembre-se sempre da incrível realidade de que o céu não é apenas para a alma. A ressurreição do corpo vai ser realmente incrível. Finalmente, um pai deve proteger sua família. Um padre-pai deve proteger sua família espiritual de danos físicos e espirituais. O celibato liberta o homem para defender seu povo de ameaças externas, mesmo ao custo de sua vida, sem hesitação. Essas ameaças podem ser físicas, como no caso de São Maximiliano Kolbe, que se ofereceu para execução no lugar de outro prisioneiro (casado).

A vida celibatária tem muito haver com a paróquia de pastoreio. Vivo na paróquia de Santa Quitéria, ambiente periférico da cidade de Palmares, lugar onde há pobreza estrutural. Mas, nestes últimos anos tem me ajudado na compreensão do ser padre. Aqui também o celibato vem em auxílio do padre. Pode ser difícil pregar todo o Evangelho, incluindo as partes impopulares e difíceis. E, no entanto, se um sacerdote deve dar a seu povo as ferramentas de que precisam para se proteger do erro, é isso que ele deve fazer. O celibato, quando bem vivido, pode libertar um homem de qualquer preocupação com status, afirmação, progresso ou crescimento financeiro, e assim libertá-lo para proteger seu povo do erro mesmo quando é difícil – mesmo quando eles próprios não veem o perigo.

O que Maria faz pelos padres

A maioria das pessoas está ciente de que o Papa João Paulo II atribuiu à intercessão de Maria por poupar sua vida quando quatro balas de um suposto assassino o atingiram enquanto ele abençoava peregrinos na Praça de São Pedro em 13 de maio de 1981. Um ano depois, o Papa colocou uma dessas balas na coroa de Maria no Santuário de Nossa Senhora de Fátima, em Portugal. Isso deixa poucas dúvidas quanto à graça real, prática e poderosa da maternidade de Maria para com os sacerdotes.

Nestes 6 anos de padre a relação com Maria é atravessada no amor-reciproco, na convivência e relação nas comunidades.

O renomado mariólogo Emile Neubert, em seu livro Maria e o ministério sacerdotal, nos ajuda a entender a maternidade espiritual de Maria, que decorre de sua “cooperação nos mistérios da Encarnação, da Redenção e da distribuição da graça”. Notemos como Maria, nestas três funções, se torna a Mãe dos sacerdotes:

  1. Encarnação estabelece uma base especial para a maternidade sacerdotal de Maria. Maria forneceu a causa material do sacerdócio de Cristo. Maria, então, carregou consigo todos os futuros sacerdotes de seu Filho em seu ventre. Ela não os conhecia individualmente naquela época, mas desejava para eles o que Jesus desejava para eles naquela época, e os amou com o mesmo amor especial que seu Filho tinha por eles.
  2. O papel especial de Nossa Mãe Maria na Redenção: Se Maria, na Encarnação, nos concebeu espiritualmente, por assim dizer, então no mistério da Redenção ela nos deu à luz. Aos pés da cruz, Cristo confiou Maria a João, que era sacerdote, e é aos sacerdotes, sobretudo, que Cristo dá a sua Mãe, porque tem mais amor por eles e eles têm mais necessidade dela.
  3. O papel especial de Nossa Mãe Maria na distribuição da graça: Maria tem um amor especial pelos sacerdotes: se a maternidade consiste essencialmente em dar e alimentar a vida, pode qualquer maternidade humana ser entendida à parte desse amor? Maria ama todos os fiéis com um amor incomparável. Mas ela ama os sacerdotes com um amor totalmente único, porque vê no sacerdote uma semelhança maior com a imagem de seu Filho do que em qualquer outro cristão de igual santidade.

A feminilidade de Maria extrai o melhor da masculinidade do sacerdote

Em várias reflexões no tempo vocacional e de seminário as figuras de Maria e do Apostolo João estavam sempre presentes nas reflexões dos formadores e ainda hoje faço parte da forania São João Evangelista.

Para que possamos compreender melhor a essência da maternidade espiritual dos sacerdotes, podemos refletir sobre a entrega de Jesus de Sua Mãe Maria e João, o Amado um ao outro. Refletindo sobre a cena ao pé da Cruz, percebemos a complementaridade do coração feminino de Maria que invoca o melhor do coração masculino de João para o apoio mútuo:

Ao pé da Cruz… meditando nos olhos de Nossa Senhora e de São João, quando se encontram em agonia mútua. Nenhum deles parece ter mais Jesus. Naquele momento ela precisa de São João; ela também permite que ele a ajude. Ela está tão sozinha no momento. Ela, que não tem pecado, permite que sua grande pobreza de espírito precise desse homem e sacerdote a seu lado. Sua complementaridade feminina extrai o melhor do coração masculino São João. A necessidade de seu apoio e proteção deve estar ligada a algo profundo dentro dele como homem. Como ele a ajuda? São João diz que então a tomou “para si” O que isto significa? “Sua casa”, talvez isso indique que ele a inclui em sua vida de padre.

Ela também o está apoiando. Ele está dependendo dela, naquele momento, pois ele também está tão sozinho. Eu me pergunto se ele se sentiu abandonado pelos outros apóstolos. Ela lidera o caminho ao se sacrificar, pois, seu coração feminino é mais receptivo e mais sintonizado com o de Jesus. Ela não só está presente, como também lhe mostra o caminho, ajudando o sacerdote a ter também o seu coração trespassado. Há muito o que ponderar enquanto ela se envolve com o amor masculino dele. Ele se entrega a ela, para apreciá-la e consolá-la. Nesse momento ela precisa dele e precisa que ele seja forte, mesmo que seja ela quem realmente o apoia.

Aqui percebemos o que, a serva de Deus, Chiara Lubich, tanto aprofunda, o perfil mariano na Igreja; “sacerdotes-Maria” e sacerdotes-Mãe”; Jesus quer viver nos seus sacerdotes não só pelo carisma que a ordenação lhes confere, mas também pelo amor que os torna perfeitos… um sacerdote-Maria, um sacerdote-mãe, não só porque alimenta a vida divina nos fiéis como ministro de Deus, mas também porque os gera ao permanecer sempre ancorado à cruz. (Chiara em Igreja-comunhão, p. 148).

A função da Bem-Aventurada Virgem Maria é invocar do sacerdote este ágape celibatário para ajudá-lo a se tornar um marido para a Igreja e um pai espiritual – um pai forte, mesmo em sua fraqueza. Ela faz isso na cruz, atraindo o sacerdote para fora de sua própria dor para oferecer o amor puro masculino no meio de seu próprio amor feminino puro. Esta cena se torna um ícone da relação entre o sacerdote e a Igreja. O sacerdote se entrega à Igreja em seu sofrimento e necessidade – de que sua vida seja moldada pela dela. Aos pés da Cruz, a Igreja agoniza em trabalho de parto para dar à luz os membros do corpo místico.

O sacerdote precisa do amor do coração feminino de Maria para conduzi-lo à realização do ideal masculino: proteger a humanidade de tudo que é prejudicial à salvação. Jesus, o Novo Adão, é o Redentor e protetor da família humana. O sacerdote é o protetor de tudo o que pertence a Cristo: homens, mulheres e crianças, céu e terra. O sacerdote dá o melhor quando, como Cristo, guarda a dignidade e a vocação de cada homem, mulher e criança.

Aqui encontro vários desafios; dar sentido e esperança a jovens que tem famílias-tragédias, o projeto do sopão solidário que várias famílias recebem as quartas-feiras que é uma necessidade para alimentação de tantas famílias, a falta de compromisso e fidelidade a Igreja, a falta de adesão aquilo que é da comunidade. Me leva sempre a fazer essa experiencia da Desolada. A Mãe gentilmente move o sacerdote para ser transfigurado em Cristo. Por meio da mediação materna de Maria, o sacerdote se torna o sacrifício que oferece o Sacrifício perfeito; o sacerdote se torna o amor que oferece Amor.

Sou Padre na época do exílio viral

É um exílio semelhante a todos os outros, feito de palavras e olhares que se cruzam através do computador ou do telefone. O exílio de não poder se encontrar e a impossibilidade de apertar as mãos, de abraçar, a impossibilidade de entrar em casa para se alegrar e consolar e compartilhar. O exílio de ficar parado quando se quer chegar perto.

E depois o exílio de não poder acompanhar na passagem da morte, em busca de palavras e gestos de esperança, e de não poder abençoar, de não saber como chegar àqueles que estão separados da normalidade devido ao surgimento da doença. O exílio de não saber fazer.

Mas é sobretudo o exílio de celebrar longe do povo, o exílio de não viver mais a Eucaristia como lugar de concentração simbólica da comunidade, talvez reclamando do fato de que as pessoas não vão à missa, ou vêm e não vão. Celebrar, certamente sabendo que cada momento da Missa se expande para incluir todos os momentos dispersos das pessoas, toda a alegria e toda a dor, todos os sorrisos e todas as lágrimas, tudo de bom e tudo de ruim: mas não experimenta mais a igreja como um povo reunido.

O exílio, portanto, de sentir-se inútil (muito) e a tentação – talvez – de estar presente de mil maneiras e com mil fluidos (sem julgar quem honestamente tenta se fazer presente), de falar de qualquer maneira e mostrar que eu estou fazendo algo de qualquer maneira. É uma ‘revelação’: que precisamente nesta impossibilidade reside a verdade de ser inútil, mas enquanto servo. Servos que não procuram algo que seja útil, mas algo que seja verdadeiro, que seja humano, que diga respeito ao nível de significado e não de conveniência prática.

Lembro-me das palavras proféticas e luminosas de Karl Rahner: “O sacerdote de amanhã será […] um homem que suporta, no sentido pleno da palavra, as pesadas trevas da existência junto com seus irmãos e irmãs. Mas ele saberá que a escuridão encontra sua origem e seu cumprimento no mistério do amor vitorioso, o absurdo da Cruz. Será […] um homem que pratica ou tenta exercer o melhor que pode um trabalho maluco, o de carregar não só os seus próprios fardos, mas também os dos outros. […] O sacerdote de amanhã será um homem com uma profissão quase injustificável do ponto de vista profano, porque seu mais autêntico sucesso sempre desaparecerá no mistério de Deus” (K. Rahner, Discípulos de Cristo – Meditações sobre o sacerdócio, 1968).

Mas neste dia festivo convido-vos a reconsiderar o meu ministério e encontrá-lo para o que é: mostrar o caminho com homens e mulheres que aceitam deixar-se questionar por Jesus, mas também com todos aqueles que se deixam questionar pela existência. E reconhecer em qualquer caso – em cada homem e em cada mulher – uma beleza a ser apreciada, uma graça a ser cultivada, e um caminho a percorrer, juntos: com paciência e perseverança, com uma alma mais simples. Buscando o Reino de Deus e sua Justiça. Rezem por mim!


Foto da Capa: MAISOVERFLOW.COM

 

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