Palmares, 25 de abril de 2024

O NOVO COMEÇO: VOCÊ QUER COMEÇAR DE NOVO?

21 de novembro de 2021   .    Visualizações: 1286   .    Notícias da Diocese

*Pe. João Paulo Gomes Galindo

A liturgia da Igreja faz-nos entrar na graça de um novo ano litúrgico. Graça de alto preço, como disse Bonhoeffer, mas que parece quase perdida, como a generosidade do divino Semeador que espalha a semente por toda parte, até na estrada impermeável e inóspita. Só ele sabe que cada homem é um conjunto de terras nem sempre acolhedoras, mas que, onde se tornam, já perfazem “cem, sessenta, trinta por um”. Só ele sabe que as ruas pavimentadas se transformam em terrenos hospitaleiros. Porque nunca se acaba a surpresa de quem, sentindo-se isento e impermeável, vê a graça de uma semente lançada em sua vida, com incomparável e comovente liberalidade, esperando que dê fruto: é a esperança inabalável de Deus, para cada um nós.

Estamos cercados e talvez dominados por um grande medo, por um sentimento de rebelião que não gera criatividade, mas uma raiva quase infantil, surda e cega. Este Advento deve também nos convencer da paciência que devemos ter uns com os outros, para viver e ter esperança.

O início do ano litúrgico nos lembra deste dom. Antes de ser um indício de coisas a fazer ou modos de ser, é a vida de Deus que deve ser acolhida. Com efeito, o novo começo retoma a história deste dom, desde a vinda do Filho na carne, anunciada pelas Escrituras, à sua paixão e cruz, à sua Páscoa de ressurreição, ao dom do Espírito que habita em nós e faz-nos reviver tudo. Isto, abrindo caminhos de novidades inimagináveis.

E se há festas, não é para apresentar algo diferente de Jesus Cristo, mas para nos falar dele, melhor, mais profundamente, mais verdadeiramente. Para que a sucessão dos vários mistérios, segundo o nosso Lecionário, de domingo a domingo, da Encarnação (Advento e Natal), Páscoa (Quaresma e Páscoa) e Pentecostes, se tornem verdadeiramente para a Igreja ocasião do anúncio de Jesus Cristo. É a certeza de um tempo em que ressoa o seu Evangelho, um tempo onde a necessidade de conversão se reitera em nós. Este é o significado deste novo começo…

Mas queremos começar de novo?  Cada um pode perguntar sobre a sua profundidade: ainda quero recomeçar? Desistir é o risco usual. Épocas muito cheias e também aquelas muito vazias.  E nós estamos em uma fronteira, entre um e outro, de um lado muito cheio e do outro, muito vazio. O risco dessas passagens de período foi identificado com grande clareza por Esther Hillesum (Esther Hillesum foi uma jovem judia, cujos diários e cartas descrevem a vida em Amsterdã, durante a ocupação alemã), em uma de suas esplêndidas cartas, enquanto o drama da guerra e seus horrores se alastravam:

“A dor humana que testemunhamos nos últimos meses, e que ainda vemos todos os dias, é mais que um indivíduo pode absorver em um período tão limitado. Afinal, ouvimos dizer ao nosso redor todos os dias, e de todas as maneiras imagináveis: ‘Não queremos pensar, não queremos sentir, queremos esquecer o mais rápido possível.’ E isso me parece muito perigoso” (Amsterdam, dezembro de 1942).

Aqui está o risco que corremos até hoje: não querer pensar, não querer sentir, esquecer esta época o mais depressa possível, como se ela nada tivesse a nos revelar, nas adversidades que vivemos e dos limites e fraturas que surgiram. Nessa carta, Esther tinha certeza de que mesmo a vida tensa poderia novamente “dar um passo cauteloso à frente”. O início do Advento reaviva a esperança de dar um passo adiante.

De um tempo mais distante e com maior profundidade de visão, ressoam as palavras do profeta Isaías, abrindo este novo tempo litúrgico. Elas falam sobre “Já se ouve a gritaria da multidão sobre os montes, como a de muito povo; o som do rebuliço de reinos e de nações congregados. O Senhor dos Exércitos passa em revista o exército de guerra.” (Is 13,4). É o alarido de uma espera que se gostaria de abreviar e que, ao mesmo tempo, assusta. Para isso, de fato, “falha todo coração humano”. É o “dia do Senhor” que se anuncia, um momento formidável de contemplação do desígnio de Deus, um momento em que nos é devolvido o sentido e a meta do nosso caminho de homens. Essa contemplação merece um recomeço.

 

 

 

 


Fonte Foto: Agro Jornada

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