Dom Genival Saraiva
Bispo emérito de Palmares (PE)
Tudo que é criado, temporal, terrestre, transitório, finito tem início e término. Nessa categoria, enquadram-se todos os seres criados, da “bactéria ultra pequena, conhecida por ser a ‘menor forma de vida do planeta’, como registram pesquisas recentes, àquele que, no “sexto dia”, na condição de ser humano, imagem e semelhança de Deus, passou a ter superioridade na terra sobre todos os seres vivos. (cf. Gn 1,28) “Então Deus viu tudo que havia feito, e era muito bom”. (Gn 1,31) Qualquer que seja sua condição, pessoa muito simples, cientista mais entendido, religioso mais espiritualizado, o ser humano, homem ou mulher, chega à mesma conclusão sobre isso: “tudo que tem começo tem fim”, “tudo na vida tem começo, meio e fim”. Essa afirmação do senso comum, da ciência e da espiritualidade é irrefutável. O fato de se reconhecer, de se constatar isso já representa um posicionamento criterioso, diante do olhar sobre o passado, ante a realidade presente e em face do futuro.
A natureza, através de suas diversas expressões, evidencia, há milênios, que, na ordem criada, existem “leis” que, necessariamente, devem ser respeitadas, quando se trata de fenômenos do mundo da física, do meio ambiente, do comportamento social, uma vez que estão intimamente relacionadas. Isso ocorre quando o ecossistema é visto como uma verdadeira “rede de interações entre organismos, e entre os organismos e seu ambiente”. Basta que se observe a natureza preservada e isso salta aos olhos. Assim, conforme os hemisférios, enxerga-se a interação da natureza, com a beleza da cor peculiar das folhagens do outono cedendo lugar à sua morte, até a espera da pujança, da exuberância da primavera, com o reflorescimento, com a leveza do verde da vegetação, com o nascer das flores. Essa realidade, no cenário da natureza no Brasil, inspirou um consagrado poeta-cantor: “As folhas caem O inverno já chegou […] As folhas quando caem Nascem outras no lugar”. Esse é o ciclo da natureza. Infelizmente, devido às agressões da humanidade na natureza, a mudança das estações, com seu respectivo perfil, já não acontece, atualmente, com a regularidade registrada num passado remoto e recente. No mundo animal, registra-se o desaparecimento de muitas espécies, na terra e nos oceanos, num término antecipado, fato inaceitável por uma consciência que vai se tornando cada vez mais coletiva. Em se tratando do ser humano, na face terrestre de sua existência, nascer, viver e morrer manifestam um limite inerente à sua condição. Também no universo humano, esse ciclo tem seu curso natural e, dessa maneira, nada mais normal do que nascer, viver e morrer, de conformidade com as leis da natureza, onde tudo tem início e término. Todavia, o que não é normal é a antecipação do término da vida por fenômenos sociais que refletem uma desordem crescente que, no pé da letra, significa “falta de ordem” na convivência humana. As estatísticas comprovam essa realidade de antecipação do término da vida, em decorrência da violência social, dos acidentes de trânsito e de doenças evitáveis e curáveis. Sob esse aspecto, em termos mundiais e brasileiros, a estatística das mortes provocadas pela pandemia do coronavírus é assustadora: mais de 5.130.000 mortes no mundo e cerca de 613.000 mortes no Brasil. Todas essas mortes antecipadas eram evitáveis. Trata-se de uma tragédia vivida pela humanidade que enfrenta, ainda hoje, a perigosa travessia da contaminação da Covid-19, diminuída, mas não superada, com a vacinação da população. Pela incúria de governantes, na administração da pandemia, e pela negação/indiferença/resistência de parcela da população, conforme a OMS, ante a identificação de “variantes mais transmissíveis”, a situação em alguns países do mundo “está entrando em uma quarta onda do novo coronavírus.” Portanto, para todos o perigo está à vista. Como os navegadores do passado, cujas naus enfrentaram os perigos do “Cabo das Tormentas”, o barco da humanidade, nesses tempos perigosos da pandemia, está passando “Por mares nunca dantes navegados”, como escreveu Camões no seu poema “Os Luzíadas”. Diante desse quadro de sofrimento e morte, quando a humanidade vai “dobrar o Cabo da Boa Esperança”, salvando-se da Covid-19? O certo é que isso não acontecerá “por obra do acaso”, “sem intenção prévia”.
O início da vida e o seu término são “duas faces inseparáveis” de tudo que faz parte da obra da criação. O ser humano encontra seu lugar no plano de Deus e no ensinamento da Igreja, considerando, particularmente, a dignidade que reveste sua vida e sua vocação, no tempo e na eternidade.
Fonte e Foto: CNBB