Palmares, 11 de novembro de 2024

Retiro Quaresmal 2020/6 “Felizes aqueles que se abrigam no Senhor!” (Sl 2,12)

03 de março de 2020   .    Visualizações: 468   .    Palavra do Bispo

Terça-feira da I semana da Quaresma

Meditação V: Entre a murmuração e a oração

Reze o Salmo 119/118,33-40

Como lectio divina, leia Tb 3,1-6.

1. No capítulo 2 do Livro de Tobias, vimos o velho Tobit, homem justo e fiel ao Senhor, com a alma amargurada, ferido pela vida: ele, que viveu sempre diante do Senhor Deus, agora encontrava-se cego, pobre, dependente das esmolas dos amigos… Sua esposa, também ela ferida pela situação de privação e pobreza, explodira, colocando às claras a dor no coração daquela família: “Onde estão as tuas esmolas? Onde estão as tuas boas obras? Todos sabem o que isso te acarretou!” (2,14). E agora, como Tobit se porta diante de tudo isto? Ele reza: “Com a alma desolada, suspirando e chorando, comecei esta prece de lamentação”.

2. Se prestarmos atenção à nossa mentalidade atual, como reagimos às situações de desventura? A primeira tendência nossa é procurar respostas e soluções em nós mesmos, com nossa lógica, com nossas explicações, com nossas forças; quantas vezes resmungamos ou, como diz as Escrituras, murmuramos. Este foi o grande pecado de Israel no caminho do deserto: a murmuração (cf. Ex 16,2.6-8; 17,3)! Os amigos de Deus, nas Escrituras, faziam diferente: rezavam, abrindo sua dor e seu coração ao Senhor! Mais que procurar explicações que coubessem na humana razão, procuravam refúgio no Senhor! Reze o Salmo 123/122. Nunca esqueça: nossa vida e tudo quanto nos acontece está nas mãos do Senhor. Como é bom confiar Nele! Fazer a nossa parte, assumir com responsabilidade e perseverança, com garra e paciência a nossa vida, mas sabendo que, aconteça o que acontecer, nosso caminho está nas mãos de Deus! São tantos exemplos disto nas Escrituras Santas! Reze o Sl 101/102

3 – Vejamos, agora, a oração do velho Tobit (cf. vv. 2-6):

a) Primeiramente, ele louva e bendiz a Deus: reconhece que o Eterno é justo, que o Seu modo de governar o mundo e dirigir a nossa vida é sábio, ainda quando nos ultrapasse e não o compreendamos. O Senhor é o juiz de tudo e Ele é justo, é reto, é santo: “Todas as Tuas sentenças são verdadeiras!” (v. 5. cf. v. 2). Atenção: isto, que parece tão óbvio, é de grande importância: aconteça o que acontecer no mundo e na nossa vida, nunca deveríamos duvidar da retidão e da sabedoria de Deus! Mesmo quando não compreendamos, mesmo quando tudo nos pareça obscuro e pesado, mesmo quando o medo nos invada e o absurdo nos ameace, nunca esqueçamos: há um trono nos Céus e, no trono, Alguém sentado (cf. Ap 4,2). Pare um pouco: medite Sb 9,13-18. O Eterno tem nas mãos todas as coisas; nossa vida não é uma nau sem rumo, não é presa de um destino cego: “Senhor, meus dias estão nas Tuas mãos!” (Sl 30/31,15). Observe que não é nada fácil uma atitude assim nos momentos de prova e tentação de desespero: é necessário um coração realmente de criança, de pobre para confiar e entregar-se deste modo nas mãos do Senhor, pois nosso instinto é salvar a nossa vida do nosso modo, custe o que custar! Pense nisto. Reze novamente o Salmo 30/31 completo.

b) Nos vv. 3-5, Tobit olha para si mesmo e mostra-se ao Senhor: ele está numa situação de miséria; como um pobre, machucado pela vida, suplica humildemente: E agora, Senhor, lembra-Te de mim, olha para mim!”. Observe o espírito de pobreza e de humildade desse velho crente! Ele não reivindica seus direitos diante de Deus; sabe que não os tem! Pelo contrário: confessa os seus pecados e os pecados do seu povo ao longo da história de Israel. Reze o Sl 129/130, que exprime bem estas atitudes indispensáveis para quem deseja caminhar com o Senhor!“Se fazes contas das culpas, Adonai, Senhor, quem poderá se manter?” (v. 2). Pense um pouco quanto esta atitude verdadeiramente piedosa e humilde é diferente da atitude, tão comum hoje em dia, até mesmo em muitos filhos da Igreja: muitos que querem se justificar diante do Senhor, considerando-se inocentes quando estão em pecado e subvertendo os preceitos do Senhor, sobretudo no tocante à família e à sexualidade! Nunca esqueçamos as duríssimas advertências da Palavra de Deus: Is 5,20-24; Eclo 15,11-20(21); Mt 3,7s; Rm 13,12-14.

c) Nesta oração de Tobit aparece também a solidariedade entre os membros do Povo de Israel. É verdade que nossa relação com o Senhor é pessoal e cada um de nós responderá por suas próprias ações (cf. Dt 24,16; Jr 31,29s; Ez 18,1s). Mas também não é menos verdade que tanto Israel, no Antigo Testamento, quanto a Igreja, novo Israel, são um povo, o Povo da Aliança. O Senhor Deus fez aliança com o Seu Povo e não com cada um de nós, de modo isolado. Estamos em paz com Deus enquanto membros do Povo da nova e eterna Aliança no sangue do Senhor (cf. Mt 26,28; Mc 14,24; Lc 22,20). Nossa amizade com o Pai pelo Filho no Espírito realiza-se no Corpo do Senhor que é a Igreja! A vivência de uma religiosidade meramente individualista e intimista nada tem a ver com as Escrituras e com o cristianismo! A solidariedade que valia para o Antigo Testamento, vale ainda mais para o Novo, pois, como Igreja, somos membros do Corpo de Cristo e membros um dos outros (cf. Ef 4,4-7; 1Cor 12,4-7)!

d) No v. 6, Tobit pede ao Senhor que o leve deste mundo, pede a morte… Pode nos escandalizar que um amigo de Deus, um homem de fé deseje a morte. Mas, aqui, há duas coisas muito tocantes a sublinhar.

Primeiro: O sofrimento de Tobit é imenso: material, emocional, moral, familiar, religioso… Onde está Deus? Por que me trata assim? Agora sou pobre, de esmola, minha família vive em tensão pela crise econômica, os pagãos zombam de mim e eu mesmo não compreendo o motivo de toda esta triste situação! Senhor, onde estás? Senhor, por que permites tudo isto? Por que me envias tanto sofrimento quando eu mesmo procurei viver na Tua vontade? Isto não é brincadeira! Quantas vezes entramos em profunda crise existencial e crise de fé por atravessarmos situações assim! Por isso, na sua oração Tobit sente o tremendo fardo da existência e pede: “Digna-Te retirar-me a vida, para que eu desapareça da face da terra e de novo volte ao pó: para mim, vale mais morrer que viver! Deixa-me partir para a morada eterna!”. Portanto, uma situação de desespero extremo!

Segundo: Aqui entra um outro aspecto: na sua dor imensa, Tobit não fica preso em si mesmo, “filosofando”, pesando de si para si próprio! Ele se volta para Deus, ele derrama diante do Eterno sua dor, seu desespero, sua queixa! Se pede para que o Senhor lhe retire a vida, ele mesmo não a tira, não se julga dono e senhor da própria vida! Ele sabe que a vida é dom de Deus, do Deus Vivente, e que não pode tirá-la por si próprio! Ele pede a morte e se abandona à vontade do Altíssimo: “Trata-me como Te aprouver! Senhor, espero que Tua decisão me liberte desta provação. Deixa-me partir! Não afastes Teu Rosto de mim, Senhor!”. É muito belo: mesmo na situação mais dramática, mesmo às portas da morte, Tobit não se afasta do Senhor, sabe que Ele existe, que Ele é Senhor e que na vida ou na morte Lhe pertencemos! Leia Rm 14,7-9; 8,35-39.

Diante do que acima foi exposto – e esta é a nossa fé –, pense no modo como tantas pessoas sem Deus enfrentam o sofrimento: desespero, revolta, desejo de eutanásia… E você, como reagiria diante de um grande sofrimento na vida, diante de uma situação realmente calamitosa e sem humana saída? Reze os Salmos 122/123 e 123/124

Dom Henrique Soares da Costa
Bispo de Palmares


Fonte: Visão Cristã