Meditação III: Ver as tribulações na perspectiva da fé
Reze o Salmo 119/118,17-24
Como lectio divina, leia agora Tb 2.
1 – Retome os vv. 1-7a. Depois de ser perseguido, perder seus bens e fugir pela fidelidade ao Senhor, Tobit voltara para a sua família; com ela celebrara a festa de Pentecostes: era a festa chamada “das Semanas” (cf. Lv 23,15s): sete semanas após a Páscoa; a festa que celebrava o dom da Lei para Israel, quando o Senhor Deus a entregara a Moisés (cf. Ex 19,1; 24,12 ) e o final da colheita dos grãos do trigo e da cevada. Assim, era também uma festa de cuidado para com os pobres (cf. Lv 23,22). Observe a solenidade da festa: come-se reclinado sobre almofadas, junto a uma mesa baixinha. Note também o cuidado de Tobit para com os pobres, um dos sentidos espirituais da festa: manda buscar um pobre de coração fiel para participar da sua mesa. Leia Lc 14,12-14. Aqui seria bom perguntar-se sobre a sua generosidade de coração, sobre a sua abertura em relação aos demais, aos necessitados distantes ou próximos… Também para nós, cristãos, as festas litúrgicas como o Natal e a Páscoa, preparada pela Quaresma, devem abrir nosso coração aos mais necessitados…
2 – Insisto: é importante recordar que no judaísmo como no cristianismo as festas do Senhor devem ser sempre um apelo à conversão e ao cuidado compassivo para com os pobres das várias pobrezas de cada época e lugar em que nos encontramos. É impossível voltar-se para o Senhor, celebrar Seus santos benefícios e a Sua salvação, sem abrir o coração para os próximos, que estejam ao nosso lado, necessitando de ajuda, atenção e afeto. Entre os cristãos, principalmente o tempo da Quaresma é um período sagrado que impele os fiéis de Cristo à prática da esmola, abrindo o nosso coração para os irmãos: capacidade de ajudar materialmente, visitar os doentes, os solitários, os prisioneiros, os idosos, aprender a escutar os outros, reconciliar-se com alguém de quem estamos afastados – eis algumas das coisas que se podem fazer neste sentido! O essencial é sair de nós mesmos, da nossa comodidade e conforto, da pura e simples abundância dos nossos bens, para ir ao encontro dos que necessitam da nossa mão estendida por amor do Senhor. Reze o Sl 112/111.
3 – Que tristeza: Tobit é um exilado, vive em dias tristes para o seu povo: numa nação estrangeira, debaixo da opressão dos gentios, vendo morrer os filhos do Povo de Deus. Tobit chora… Para compreender a alma dos israelitas no exílio, reze, pensando nos seus exílios, o Sl 137/136. Recorde: somos todos estrangeiros neste mundo, pois “enquanto habitamos neste corpo, estamos fora da nossa mansão, longe do Senhor” (2Cor 5,6; cf. Hb 13,14). Também a Igreja, enquanto peregrinar neste mundo, viverá sempre na dispersão, na diáspora, dispersa pelo mundo inteiro, a caminho da Pátria celeste (cf. 1Pd 1,1). Inútil a ilusão de querer ser do mundo, viver nos moldes do mundo e ser pelo mundo aceita e aplaudida. Então: por que temos tanto medo de recordar que aqui estamos de passagem e somente lá, na plenitude do Reino, na Eternidade de Deus, viveremos para sempre? Por que viver na ânsia pelos bens e realizações desta vida, como se nossa existência aqui fosse o definitivo (cf. 1Cor 15,32)?
4 – Tobit é um homem de fé: compreende as coisas da existência e lê a realidade à sua volta à luz de Deus. Ele sabe que os israelitas foram deportados porque, com suas infidelidades, se exilaram do Coração de Deus. Por isso recorda as palavras do Profeta Amós. Releia o v. 6. Amós fora um profeta do Reino do Norte, ao qual pertencia a tribo de Neftali, tribo de Tobit. Ele denunciou duramente os pecados de Israel e, em nome do Senhor, ameaçou Israel com a destruição e a deportação assíria. Não se brinca com Deus, não se zomba da Palavra do Senhor. Leia Am 2,6-16. Nunca esqueça: não há misericórdia ou perdão de Deus sem conversão! Leia Am 5,4-7: “Procurai o Senhor e vivereis!”. Longe do Senhor, o homem encontra somente a morte, simbolizada pela tristeza da deportação…
5 – Releia os vv. 7b-8. A dor de Tobit e a dor dos sofredores do mundo aumenta ainda mais pela indiferença e zombaria dos maus… No mundo, quem desejar viver na vontade do Senhor Deus e nos Seus preceitos será sempre incompreendido e, por vezes, de um modo ou de outro, perseguido… É um grave erro, para um cristão, desejar servir a Cristo estando de bem com o mundo; é uma ingenuidade diabólica procurar do mundo aplausos e elogios: “Se eu quisesse ainda agradar aos homens, não seria servo de Cristo” (Gl 1,10; cf. Tg 4,4-10).
6 – Reze o Sl 42-43/41-42: é a oração do fiel ferido com saudade de Deus, experimentando as trevas e sendo zombado pelos ímpios. Sua confiança, no entanto, repousa no Senhor. Reze também o Sl 120/119.
Dom Henrique Soares da Costa
Bispo de Palmares
Fonte: Visão Cristã