Meditação XXVI: Atitudes e virtudes de amigos de Deus
Reze o Salmo 119/118,25-32
Leia, agora, como lectio divina Tb 12.
1. Comecemos nossa meditação com os vv. 1-5:
a) Tobit e Tobias cuidam, agora, de pagar de modo justo e sem demora pelos serviços de Azarias. A responsabilidade e seriedade nos nossos negócios e contratos fazem parte da nossa relação com Deus: pagar a quem devemos, ser pontual no pagamento dos que nos servem, ser responsável no pagamento das taxas e impostos que visam ao bem comum. Leia Dt 24,14s; Tg 5,1-6. O senso de justiça, de equidade, de honra à palavra dada (cf. Mt 5,37) e aos compromissos assumidos são parte importante da nossa relação com o Senhor. Você é uma pessoa honesta e reta nos seus negócios? É confiável? Cumpre seus compromissos? Quanto vale sua palavra?
b) E atenção: não basta ser justo, pagar em dia. O Senhor nos leva mais adiante, pede-nos mais: ser generoso, saber compadecer-se, saber ser solidário, saber preocupar-se com os demais e querer o bem dos demais. Observe que Tobit e Tobias querem pagar a Azarias mais até do que haviam acertado com ele antes. São reconhecidos, gratos, generosos, são benévolos. Um cristão mesquinho, miúdo, sem generosidade é uma triste caricatura de discípulo do Cristo! Leia Lc 12,33s. Esses homens experimentaram a bondade do Eterno e desejam partilhar generosamente com os outros aquilo que abundantemente receberam! Veja a atitude contrária nestes dois textos seguintes: Lc 12,13-21; 16,19-31. Esses aí, das parábolas, não roubaram, não atrasaram salários e, no entanto, sofrem do Senhor duríssima reprovação pelo fechamento insensível a Deus e aos demais: para eles, somente existem eles próprios e seus interesses; a preocupação é somente consigo mesmos!
c) Faça agora uma revisão sobre o modo como você trata seus subalternos em casa ou no trabalho. Revise também como você age com quem é seu chefe ou patrão… O Evangelho impregna e inspira realmente as suas relações no ambiente de trabalho, quer você seja chefe quer seja subalterno? Leia Cl 3,22 – 4,1; Tt 2,9-10. Honestidade, responsabilidade, justiça, assiduidade, pontualidade, respeito, honestidade, são valores e virtudes que um cristão não pode deixar de lado nunca nas suas relações de trabalho, “a fim de que em tudo seja Deus glorificado por Jesus Cristo” (1Pd 4,11)… Compreendamos bem: seja da parte do chefe ou patrão cristão como da parte do funcionário ou empregado cristão, o Senhor espera de nós relações humanas sadias, alicerçadas não só nos bons sentimentos humanos, mas até mais: no exemplo do Cristo, servo de todos. É interessante que 1Pd 2,18-25 coloca o exemplo de Cristo como modelo e motivo das nossas relações. Leia este texto! Agora escute estes conselhos com o coração aberto e fiel: Eclo 5,1-8/10. Por fim, reze o Sl 101/100: peçam ao Senhor que expulse do seu coração tudo aquilo que de maldade haja nele e confirme e aumente toda bondade!
2. Vamos aos vv. 6-7: As palavras de Rafael são belas! Releia-as atentamente: bendizer ao Senhor, proclamar Suas maravilhas e Suas bondades; nunca deixar de agradecer por tudo; em outras palavras, uma vida diante de Deus, aberta para Deus, que leva realmente Deus a sério: “Agradecei-Lhe dignamente e praticai o bem!” – A oração e o louvor vão sempre juntos com o empenho em realizar na vida o que cremos, praticando o bem e evitando o mal, cumprindo de verdade os mandamentos do Senhor! Pense: sua vida concreta é expressão da sua vida de oração ou, ao invés, sua oração vai por um lado e sua vida, por outro? Reze Dn 3,51-90.
3. Duas vezes aparece a afirmação: “É bom manter oculto o segredo do rei; porém é justo revelar e publicar as obras de Deus” (vv. 7.11).O que este provérbio significa? Vejamos a primeira parte da frase: “É bom manter oculto o segredo do rei”.
Podemos compreendê-la primeiramente num sentido meramente humano, de bom senso. Aqui, o rei seria o chefe, o patrão, alguém que nos é superior e de quem gozamos a confiança: deve-se ser discreto, guardar segredo das coisas que são reservadas, tendo um sentido de prudente conveniência, respeito pela privacidade das pessoas e até mesmo sentido ético. Por exemplo: a discrição para não difamar alguém, para não violar um segredo profissional, para não se gabar, revelando coisas inconvenientes, etc. Quem não sabe ser conveniente e discreto, muito errará e muito mal provocará. Leia Eclo 19,4-17/18.
Numa compreensão mais “espiritual”, o Rei da frase acima seria o Deus eterno. Com o Senhor todos nós temos nossos segredos: a nossa história vivida no íntimo do nosso coração diante Dele, nossas lágrimas de amor ou dor choradas no Seu regaço, nossos medos, dúvidas, nossas quedas, nossas vitórias… Estas coisas espirituais, nossas experiências com o Altíssimo, não devemos sair espalhando à toa, pois a chama, quando exposta ao vento se apaga! Isto serve para tudo na vida: aquelas coisas mais profundas, aquelas realidades que nos são mais caras, devemos cercar de discrição e reserva, pois formam a nossa identidade mais profunda! É o contrário da mentalidade das redes sociais, onde as pessoas expões sua vida de modo desbragado e até vulgar… Sobra superficialidade; falta tanta profundidade!
E aqui, a segunda parte do provérbio: é sempre bom publicar as maravilhas do Senhor, pensando não no nosso engrandecimento e autoafirmação, mas em glorificar o Senhor por Suas obras e Sua fidelidade (cf. Jr 9,22s; 2Cor 10,17s)! Leia, rezando, Eclo 43,28-33/30-37.
4. Nos vv. 8-10 reencontramos os temas caríssimos a este Livro: a oração, o jejum e a esmola. Trata-se de realidades que ainda atualmente são importantes para a vivência da nossa fé cristã. Estas três observâncias, nós as herdamos do Antigo Testamento e foram recomendadas pelo Senhor Jesus Cristo, pelos santos Apóstolos e pela inteira Tradição da Igreja. Leia Mt 6,1-18. Observe que o Nosso Senhor fala em “praticar a justiça”, isto é, praticar as observâncias da religião. Cristo retoma as práticas do judaísmo e dá-lhes um sentido interior, que seja expressão de um coração que ama, teme e serve a Deus! Isto está perfeitamente na linha do Livro de Tobias! O cristão realiza estas práticas por amor a Jesus nosso Senhor e no amor a Jesus!
5. Com este mesmo espírito, os cristãos primitivos jejuavam (cf. At 13,2s; 14,22s). O Apóstolo São Paulo também valorizou esta prática: várias vezes, ele se referiu aos seus jejuns (cf. Cor 6,5; 11,27). O jejum é precioso, pois coloca nosso corpo debaixo do senhorio de Cristo, ajuda-nos a dominar nossos instintos e paixões; fazendo-nos sentir fraqueza, recorda-nos que somos pequenos e dependentes de Deus. Além disso, faz-nos recordar os que são materialmente necessitados e até mesmo passam fome. Desse modo, abre o nosso coração para as necessidades dos demais!
6. Quanto à esmola, basta ver estes textos bem contundentes: 1Jo 3,17; Tg 2,15s; 1Cor 11,20ss; 2Cor 8,1-15. A esmola é preciosa, até porque aperfeiçoa o jejum. Se o jejum e a mortificação sozinhos poderiam degenerar numa prática meramente formal, dando brecha à autoafirmação e presunção (cf. Lc 18,9-14), a esmola, dada de bom coração, por amor ao Senhor e compaixão pelo próximo, coroa o jejum e torna a pessoa agradável ao Senhor Deus! Observe que o jejum e a esmola tocam a nossa vida material: o nosso corpo, no jejum, e os nossos bens materiais, na esmola. É com todo o nosso ser – e não só com a alma, com a inteligência, com o sentimento – que cremos, louvamos e bendizemos ao Senhor nosso Deus! Leia Eclo 3,30 – 4,10/3,33 – 4,11; 29,8-11/11-14. Leia ainda o comovente texto de Lc 21,1-4. Nossa adesão ao Cristo Jesus deve impregnar nossa alma e nosso corpo, nossa vida espiritual e material!
7. Finalmente, a oração. Aqui, não há muito em que insistir: o Senhor Jesus rezou, ensinou-nos a rezar e muitas vezes nos ordenou rezar. Veja, por exemplo: Lc 11,1-13; Mc 14,32-42; Hb 5,7. Toda a Escritura, de modo geral, e o Novo Testamento, de modo particular, dão testemunho disto. Leia Fl 4,6-7; 1Ts 5,16. A inteira Tradição da Igreja insiste nisto! Já tratamos da oração ao longo destas meditações. Baste-nos recordar agora que a oração nos abre para Deus, faz-nos reconhecer que somos criaturas Dele, que Dele dependemos e que Ele cuida de nós, Ele é presente e atuante na nossa vida. Quem reza vai deixando o Senhor Deus ser verdadeiramente presente na sua vida; quem não reza, termina por tornar-se um ateu prático: ainda que diga que crê, Deus, de verdade, concretamente, já não tem importância nem incidência na vida concreta de alguém assim!
8. Faça, agora, um sério exame de consciência sobre estas práticas cristãs tão seriamente recomendadas pelas Escrituras Santas e pela inteira tradição da Igreja: Como vai sua vida de oração? Como você reza? Qual o lugar para o jejum, a abstinência de carne e a mortificação na sua vida cristã? Como está a prática da esmola: a ajuda aos necessitados, o dízimo, as obras de misericórdia corporais e espirituais?
Somente para recordar:
a) O jejum pode ser (1) a privação total de refeição num dia; (2) o alimentar-se somente de pão e água; (3) o fazer somente uma refeição completa ao meio-dia e comer parcamente nas outras duas, de modo que, juntas, não cheguem a uma refeição completa. Jejua-se obrigatoriamente na Quarta-feira de Cinzas e na Sexta-feira da Paixão. É recomendável o jejum também no Sábado Santo.
b) A abstinência de carne é o não se alimentar de carne de animais de sangue quente às sextas-feiras do ano, em honra da Paixão do Senhor. Isto vale também para a Quarta-feira de Cinzas e é muito recomendado para o Sábado Santo.
c) Quanto à mortificação, é a renúncia, por amor a Cristo, a algo de que gostamos, a algo que nos dá satisfação ou prazer, como um modo de oferecer nossa vontade e nossa privação ao Senhor e disciplinar nossos sentidos, fortalecendo nossa vontade. Leia Lc 21,34-36.
9. Reze o Sl 41/40. Observe a bênção no fim do Salmo. É a conclusão da primeira parte do Saltério! Veja as outras conclusões: Sl 72/71,18-19 e Sl 106/105,48. Veja a conclusão final do Saltério: o apoteótico Sl 150.
Dom Henrique Soares da Costa
Bispo de Palmares
Fonte: Visão Cristã