Meditação X: Caminhar na presença de Deus
Reze o Salmo 119/118,73-80
Agora leia com piedade, ainda uma vez, Tb 3,6 e, em seguida, Dn 3,24-45
1. Gostaria ainda de insistir sobre o tema da oração. É muito importante! A oração é a mais alta atividade do homem e a ação religiosa por excelência, pois trata-se de abrir-se para o Deus, o Infinito, o Eterno, o Sentido último do ser e do existir de todas as coisas. Sem oração não há religião! Assim, gostaria de comentar um trecho bastante denso de uma homilia de São João Crisóstomo, Bispo de Constantinopla e Doutor da Igreja (cf. Supp., Hom. 6 De Precatione: PG 64,462-466).
2. “A oração, o diálogo com Deus, é um bem incomparável, porque nos põe em comunhão íntima com Deus”. – Quando São João Crisóstomo define a oração como diálogo com Deus, supõe precisamente o que eu já expliquei anteriormente nestas meditações: o Senhor Deus nos fala sobretudo nas Escrituras e nós Lhe respondemos com nosso afeto, nossa vontade, nossa vida. Atenção para o que diz o santo Doutor: a oração é um bem incomparável, pois nos abre para Deus, fazendo-nos íntimos Dele! É verdade: viver com Deus é o maior bem da existência, pois lhe confere um novo sentido, um sentido definitivo, nesta vida e na outra! Viver diante de Deus é viver na verdade, viver de verdade!
“Assim como os olhos do corpo são iluminados quando recebem a luz, a alma que se eleva para Deus é iluminada por Sua Luz inefável”. – Que Luz divina é esta que ilumina a alma? É o próprio Santo Espírito que habita em nós desde o Batismo e age em nós de modo cada vez mais forte, quando nos tornamos dóceis à Sua presença e ação no nosso íntimo. Ora, o cristão ora no Espírito e o Espírito ilumina sua alma, dando-lhe o sentido das coisas de Deus, iluminando os vários aspectos e vivências da realidade na qual o orante se encontra! Quem reza, sente com o Coração de Deus e vê tudo com os olhos do Senhor! Leia Rm 8,26-27.
3. “Falo da oração que não é só uma atitude exterior, mas que provém do coração e não se limita a ocasiões ou horas determinadas, prolongando-se dia e noite, sem interrupção”. – Aqui, São João Crisóstomo faz uma observação muito importante: a oração verdadeira brota do coração, isto é, é fruto do gemido do Espírito em nós, e é contínua! Mais que momentos e modos de oração, ela é um afeto contínuo, um amoroso sentido da Presença do Senhor, uma atitude de viver e caminhar na diante de Deus, em constante diálogo com Ele (cf. Gn 17,1)! As orações que fazemos, os momentos específicos em que rezamos, são, precisamente, para nos fazer viver em oração contínua, cumprindo o preceito do Apóstolo: “Orai sem cessar!” (1Ts 5,17). Então, dizendo de modo resumido: fazemos orações com piedade e insistência para que nossa inteira vida seja uma oração! É o que o santo Bispo explica logo a seguir: “Com efeito, não devemos orientar o pensamento para Deus apenas quando nos aplicamos à oração; também no meio das mais variadas tarefas – como o cuidado dos pobres, as obras úteis de misericórdia ou quaisquer outros serviços do próximo – é preciso conservar sempre vivos o desejo e a lembrança de Deus. E assim, todas as nossas obras, temperadas com o sal do amor de Deus, se tornarão um alimento dulcíssimo para o Senhor do universo. Podemos, entretanto, gozar continuamente em nossa vida do bem que resulta da oração, se lhe dedicarmos todo o tempo que nos for possível”.
4. “A oração é a luz da alma, o verdadeiro conhecimento de Deus, a mediadora entre Deus e os homens. Pela oração a alma se eleva até os Céus e une-se ao Senhor num abraço inefável; como uma criança que, chorando, chama sua mãe, a alma deseja o leite divino, exprime seus próprios desejos e recebe dons superiores a tudo que é natural e visível. A oração é venerável mensageira que nos leva à presença de Deus, alegra a alma e tranquiliza o coração”. – Com todas estas palavras, o Crisóstomo deseja mostrar o quanto a oração é o modo com o qual alimentamos em nós o profundo sentido da presença atuante do Senhor Deus na nossa vida. Sem a oração, o Senhor Deus Se reduz a uma ideia, uma teoria fria e distante, sem força nem incidência na nossa vida concreta; com a prática da oração, o Eterno torna-Se cada vez mais uma Presença pessoal, santa, próxima, amorosa, potente, transformadora!
5. “Não penses que essa oração se reduza a palavras. Ela é desejo de Deus, amor inexprimível que não provém dos homens, mas é efeito da graça divina, como diz o Apóstolo: ‘Nós não sabemos o que pedir, nem como pedir; é o próprio Espírito que intercede em nosso favor, com gemidos inefáveis’ (Rm 8,26)”. – Aqui, São João Crisóstomo deixa claro o que eu mesmo já expliquei anteriormente: que é o Espírito Santo, a própria Graça de Deus em pessoa, que age em nós, ora em nós e suscita a nossa oração! Somente esta oração é agradável ao Senhor, somente esta oração é oração de Jesus nosso Senhor, somente esta oração nos une ao Pai pelo Filho porque é feita no Espírito! Assim, tem razão o nosso Autor, ao completar: “Semelhante oração, quando o Senhor a concede a alguém, é uma riqueza que não lhe pode ser tirada e um alimento celeste que sacia a alma. Quem a experimentou inflama-se do desejo eterno de Deus, como que de um fogo devorador que abrasa o coração”.
6. “Praticando-a em sua pureza original, adorna tua casa de modéstia e humildade, torna-a resplandecente com a luz da justiça. Enfeita-a com boas obras, quais plaquetas de ouro, ornamenta-se de fé e de magnanimidade em vez de paredes e mosaicos. Como cúpula e coroamento de todo o edifício, coloca a oração. Assim prepararás para o Senhor uma digna morada, assim terás um esplêndido palácio real para O receber, e poderás tê-Lo contigo na tua alma, transformada, pela graça, em imagem e templo da Sua Presença”. – O santo Bispo de Constantinopla termina exortando-nos a uma vida santa, de combate espiritual, de luta para obter as virtudes a fim de que a nossa oração não seja inútil, simplesmente palavras vazias e sentimentos ocos! A oração amorosa, oração de fogo, fogo do Espírito, é a cúpula e coroamento da nossa vida com Deus, mas ela exige a coerência de vida, caso contrário será apenas uma ilusória autocomplacência, que em nada nos leva a Deus ou nos dá a Vida de Deus!
7. Pensando em todas estas santas palavras de São João Crisóstomo, arcebispo de Constantinopla e Doutor da Igreja, leia os seguintes textos:
Hb 10,5-7: o Senhor Jesus entrou no mundo rezando;
Hb 5, 7-10: o nosso Salvador rezou constantemente em Sua vida terrena procurando a vontade do Pai e aprendendo a obedecer a esta vontade;
Lc 11,1-13: o Senhor não somente rezou, como também nos mandou rezar, suplicar e fazê-lo com insistência;
Lc 23,44-46: o nosso Salvador, saiu deste mundo rezando!
Rm 8,26s: a oração do cristão é oração no Espírito de Cristo.
8. Agora, reze os salmos 146/145 e 147/146-147
Dom Henrique Soares da Costa
Bispo de Palmares
Fonte: Visão Cristã