Meu caro Irmão – a quem tanto prezo e de quem me sinto sempre devedor pela paciência de ler meus escritos e pela confiança de querer conhecer um pouco das minhas ideias -, nestes santos dias pascais, convido-o a considerar Hb 2,9-11, uma perícope rica e de grande intensidade. Vale a pena algumas considerações para a nossa comum edificação.
1. “Vemos a Jesus, que foi feito, por um pouco, menor que os anjos, por causa dos sofrimentos da morte, coroado de honra e de glória”. Eis, que visão impressionante: o Filho eterno, esplendor da Glória do Pai e expressão do Seu Ser, que sustenta o universo com o poder de Sua Palavra (cf. Hb 1,3), vemo-Lo feito pouco menor que os anjos. É o mistério do esvaziamento do nosso Salvador que, fazendo-Se homem, por natureza humana, inferior aos anjos, humilhou-Se, murchou na Sua Glória para nos salvar. E por isso, está agora, na Sua humanidade igual à nossa, coroado de honra e de glória. Atenção, aqui, para um dado importante: o cristão não vê mais simplesmente o Jesus de Nazaré, na Sua condição de humilhação, nos dias de Sua carne morta; aquele Jesus de Nazaré que poderia ser visto, de certo modo, pelos que O amavam neste mundo e até mesmo, em carta medida, por qualquer pessoa, como um Caifás, um Herodes, um Pilatos! O nosso Salvador agora é o Senhor glorificado e somente pode ser percebido e experimentado na luz e na força do Seu Espírito. Por isso, o Apóstolo afirma: “Se conhecemos Cristo segundo a carne, agora já não O conhecemos assim. Se alguém está em Cristo é nova criatura. Passaram-se as coisas antigas; eis que se fez realidade nova” (2Cor 5,16). Observe que a nova Vida glorificada que o Senhor glorioso, Novo Adão (cf. Ef 4,20-24), agora possui, nos renova também: batizados em Cristo, somos todos novas criaturas!
2. “É que pela graça de Deus Ele provou a morte em favor de todos os homens”. Eis o motivo dessa humilhação: o Pai, na Sua graça inesgotável, num excesso de amor absolutamente gratuito pela humanidade e a criação inteira entregou o próprio Filho pela humanidade toda (cf. Jo 3,16). E O entregou até à morte: Ele, de fato, experimentou a terrível realidade da morte. A morte do Senhor Jesus não foi um acidente, não foi algo fortuito, não foi uma questão de simples trama humana ou punição a um profeta incômodo ou um pretenso agitador social, que Jesus nunca foi, a não ser na cabeça de certos estudiosos teimosos, minados por ideias de esquerda revolucionária. Jesus nosso Senhor morreu dentro de um plano sábio, misterioso e presciente do Senhor Deus (cf. At 3,18; 4,28; 1Pd 1,19-20). Segundo o desígnio do Senhor Deus, Ele, o Senhor Jesus, morreu como nós para que nós não morramos sozinhos, mas morramos Nele e com Ele! Observe com atenção que este sofrimento que o Salvador sofreu é caminho para a Glória eterna: não é um simples padecimento fechado em si, que em si mesmo termina. Não é simplesmente a morte de Cristo que nos salva: é muito mais: o Seu caminho de Cruz, Morte e Ressurreição: feito homem, inferior aos anjos, assumiu o sofrimento para ser coroado de Glória em nosso favor, isto é para nos levar com Ele e Nele!
3. “Convinha que Aquele por Quem e para Quem todas as coisas existem, querendo conduzir muitos filhos à Glória, levasse à perfeição, por meio dos sofrimentos, o Iniciador da salvação deles”. Coisas misteriosas nos são ditas aqui! O Pai ama toda a Sua criação: Dele, Nele e para Ele tudo existe e tudo é amado (cf. Sb 11,24-26/25-26; At 17,28). Ora, o Senhor Deus quis nos salvar, quis nos dar a plenitude de Sua Vida divina, levando-nos à perfeição, através do Seu Filho. Como? Primeiro, o Filho fez-Se homem, assumindo nossa pobre condição de criaturas limitadas, tornando-Se mesmo inferior aos anjos. Humanamente, o Filho limitou-Se, esvaziou-Se, “tomando a forma de Servo” (cf. Fl 2,7). Mas, atenção: tudo isto para Se fazer igual a nós, num impressionante mistério de solidariedade com a humanidade e a criação inteira (cf. Hb 2,12.13.17; 4,15) Assim, o Filho, na Sua natureza humana, limitada igual à nossa, teria que ser preenchido da Vida divina do Pai para, pleno de Divindade na Sua pobre humanidade, derramar essa Divindade (que é o próprio Espírito Santo) sobre nós, pobres e limitados humanos, levando-nos à plenitude criatural. É este o sentido da expressão “levasse à perfeição”, isto é, “levasse à plenitude”, pois o Senhor Deus criou tudo perfeito, mas limitado e destinado à plenitude criatural, que somente poderia acontecer quando da efusão da plenitude do Espírito de Ressurreição.
E qual o caminho para o Filho chegar à essa plenitude? Eis a surpreendente reposta: o esvaziamento até a morte de Cruz! Esvaziando-Se totalmente de Si até a morte de Cruz, o Filho, na Sua humanidade, foi totalmente preenchido pelo Pai, foi transfigurado em Glória divina e derramou sobre nós essa Glória, que é o próprio Espírito Santo (cf. At 2,33). Mas, nunca esqueçamos: o caminho para isso foi a terrível experiência do sofrimento físico, moral, psicológico e espiritual – foi isto todo o mistério da vida do Senhor, até a Sepultura! Foi assim que Jesus, o nosso. Cristo, tornou-Se o Autor-Iniciador da nossa salvação: Ele Se fez um de nós, desposou intimamente, na Sua Encarnação, a nossa humana aventura, partilhou o nosso sofrimento até a morte, numa misteriosíssima solidariedade entre Santificador e santificados! Por isso mesmo Ele é nosso modelo, é Autor e Consumador da nossa fé (cf. Hb 12,2) e “levado à perfeição, Se tornou para todos os que Lhe obedecem – isto é, para todos os que O segurem, caminhando no Seu caminho – princípio de salvação eterna” (Hb 5,9). Princípio, aqui, significa, modelo, motivo, causa, critério.
4. “Pois tanto o Santificador quanto os santificados, todos, descendem de um só; razão por que não Se envergonha de os chamar irmãos”. O Santificador é Cristo, nosso Sumo e Eterno Sacerdote, princípio de salvação eterna (cf. Hb 5,9), que por nós mesmos Se santificou, isto é, consagrou-Se ao Pai (cf. Jo 17,19). Os santificados são todos os que Nele creem e no Seu Nome são batizados (cf. Jo 1,12s; 17,17; Tt 3,4-7). Mas, o que significa que “todos descendem de um só”? Ao fazer-Se homem, Cristo, como todo o ser humano, tornou-Se descendente de Adão (cf. Lc 3,38) e, assim, fez-Se solidário com a nossa raça em tudo, exceto no pecado. Mas, veja-se que beleza: se Ele, pela nossa natureza assumida na Encarnação, fez-Se solidário conosco na fraqueza, ao ser glorificado no Espírito de Santidade (cf. Rm 1,4; 1Tm 2,16), fez-nos solidário Consigo na perfeição da Glória! Em palavras lapidares: fez-Se solidário conosco na condição de humilhação para nos fazer solidários com Ele na condição de glorificação!
Eis: fazendo-Se um de nós, Jesus tornou-Se verdadeiramente Cabeça de toda a humanidade. Pela Sua Morte e Ressurreição e o dom do Espírito, Ele Se uniu a nós para sempre, de modo que Suas dores tornam-Se nossas e Seu Triunfo é penhor do nosso. Também nossas dores tornam-Se Dele, de modo que podemos “completar na nossa carne o que faltou da Sua Paixão” (Cl 1,24), enquanto esperamos a graça de participar plenamente da Sua Vitória, na Glória eterna, plenitude do Reino. Trata-se, aqui, de uma profunda e real comunhão nossa com o Senhor Jesus. Comunhão que se dá no Espírito Santo recebido no Batismo e celebrada, colocada em ato sempre de novo e aprofundada em cada Eucaristia e tornada presente, de certo modo, em cada sacramento. É por isto que a Igreja toda é um grande sacramento, como sacramentos também são os mistérios de Cristo: o sacramento da Encarnação, o sacramento do Natal, o sacramento da Páscoa, etc. Que graça, que sentido de existência, que luz, estarmos unidos ao Salvador, seja no sofrimento seja na alegria, seja na morte seja na vida! E isso é uma real e consoladora realidade!
Dom Henrique Soares da Costa
Bispo de Palmares
Fonte: Visão Cristã