Palmares, 06 de dezembro de 2024

O ateísmo: progresso?

28 de setembro de 2020   .    Visualizações: 628   .    Palavra do Bispo

É palpável no mundo atual um crescimento do ateísmo. Este fato nos deve fazer pensar: por que o aumento do número de ateus? A resposta não é tão simples…

Primeiramente, o tipo de vida que levamos na nossa civilização ocidental: uma sociedade do excesso de informação, da falta de capacidade de reflexão, de stress e corre-corre, que tornam as pessoas insensíveis para um Transcendente. Corre-se demais, compete-se demais, fixa-se metas de vida simplesmente com vistas ao imediato, faz-se muito barulho e, assim, as pessoas vão perdendo a capacidade contemplativa, tipicamente humana e uma das mais belas características de nossa raça.

Um homem que não saiba parar, fazer silêncio, escutar o próprio coração nem ser sensível às pequenas coisas, jamais poderá ser verdadeiramente aberto a uma transcendência, à possibilidade da existência de um Deus pessoal, capaz de dialogar com o ser humano, de propor-lhe um estilo de vida e de esperar dele uma resposta.

Há mais: nossa sociedade desenvolveu-se enormemente nos domínios da ciência e da tecnologia. O homem, como nunca antes e numa velocidade nunca imaginada, conseguiu um grande domínio sobre a natureza, podendo hoje explicar e controlar muitos dos fenômenos que antes eram atribuídos pura e simplesmente à vontade de Deus. Daqui, surgiram duas percepções: a primeira: Deus perdeu o emprego e a razão de ser; o que antes explicávamos recorrendo a Ele, hoje a ciência explica com tranquilidade e convicção. Sendo assim, por que apelar para o sobrenatural, por que apelar para um Deus caprichoso, quando nossa razão pode explicar a realidade que nos circunda? Este triunfo da ciência a muitos parece o golpe mortal na religião, que tinha uma função somente numa sociedade pré-científica. Já Augusto Comte, filósofo francês do século XIX, defendia tal raciocínio.

Segunda percepção: o homem de nossa cultura acostumou-se a contar, medir, calcular, planejar, empregar fórmulas precisas, matemáticas, para explicar e controlar os fenômenos naturais; os meios de comunicação, os jogos eletrônicos… Tudo isso acomodou a inteligência e o coração humano somente à realidade sensível, palpável, mensurável. Então, por que insistir na idéia de um Ser que não mostra a cara, que ninguém nunca viu, de Quem não se pode provar a existência, que parece tão silencioso e inoperante? Um Deus a Quem não podemos controlar, não podemos usar a nosso bel prazer, um Deus, assim, “caprichoso”, livre, teria ainda alguma serventia?

Para muitos, a ideia de Deus é como uma fábula, como uma estorinha que, quando muito, serve para nos fazer dormir mais tranqüilos, como aquelas estorinhas que nossa mãe e nossas professoras nos contavam..

Além do mais – muitos fazem questão de recordar -, a ideia de Deus serviu tantas vezes para oprimir, para justificar o domínio de uns sobre os outros e para tiranizar as consciências… Então: que morra a ideia de Deus para que o homem viva, a liberdade triunfe e o homem, enfim alcance sua maioridade, assumindo, como adulto, que está sozinho nesta vida e que deve tomar definitivamente sua existência nas próprias mãos! Já somos maduros o bastante para vivermos e morrermos sem precisar da ilusão de uma ideia de Deus – eis o pensamento dos sabidos do mundo atual!

Pensa-se assim e, no entanto, o homem, lá no mais profundo de si, continua um incorrigível sedento de Transcendência, um sequioso de ancorar seu coração num Infinito, num Absoluto! Não há como escapar! Da tal modo somos naturalmente abertos para um Deus bom, justo, amoroso, santo e íntimo que, quando nos abrimos de verdade para Ele, tornamo-nos melhores, mais livres, mais equilibrados, tornamo-nos nós mesmos! E quando nos fechamos, tornamo-nos menores, como alguém que precisa de ar puro, de ver o céu, e encontra-se num quarto apertado – pode até ser um quartinho bonitinho, arrumadinho mas, apertado e asfixiante!

O homem, fechado para Deus, tornando-se a medida de todas as coisas, cedo ou tarde termina traindo-se a si mesmo, tornando-se devorador do próprio homem… Fechado para o Deus vivo e vivificante, terá que se contentar em ser o único ser que vive sabendo que vai morrer e que a morte é a negação de tudo quanto sonhou e construiu!

Sem Deus, o homem perde, cedo ou tarde, o sentido de sua dignidade, de sua profundidade. Todas as ideologias ateias terminam por usar o homem como uma coisa! Pense-se no nazismo, no marxismo e no capitalismo. O homem somente será ele próprio se o seu rosto for iluminado pelo raio divino; se ele perceber que é imagem de Deus.

Não! O ateísmo não é uma saída realmente humana, não é um progresso real para o homem, não é um sinal de maturidade! É, antes, uma capitulação diante do sentido da vida, é um conformismo com o limite estreito desta existência, que não satisfaz nem plenifica de fato o coração humano!

Fomos feitos para voar alto como as águias; nosso coração grita pelo bem, pela paz, pela beleza, pela verdade, pela vida, pelo infinito! Triste é a nossa civilização, que não conseguiu conciliar o enorme progresso científico-tecnológico que alcançou com um real progresso de humanização.

O desafio continua: usar as coisas que passam sem esquecer as que não passam; empenhar-se na construção deste mundo, sem esquecer que somente nos saciaremos com a eternidade, e compreender, de uma vez por todas, que Deus não sufoca nem reprime o homem, mas é a maior garantia de sua dignidade, de sua liberdade, de sua maturidade, de seu equilíbrio e de sua paz!

Dom Henrique Soares da Costa
Bispo de Palmares


Fonte: Dom Henrique Soares da Costa
Fonte da Foto: Asturias Laica