Depois de termos visto o Antigo e o Novo Testamento, vejamos agora a questão das imagens na Tradição da Igreja.
Os cristãos, inspirados na Escritura, sobretudo no Novo Testamento, que é a plenitude a Revelação divina, sempre usaram pinturas e imagens.
Já nas antigas catacumbas cristãs da Roma antiga, no tempo dos mártires, podem ser encontradas imagens inspiradas em textos bíblicos: Noé salvo das águas do dilúvio, os três jovens cantando na fornalha, Daniel na cova dos leões, Susana, os pães e os peixes da multiplicação operada por Jesus, o peixe (= ICHTHYS), símbolo de Cristo. Na catacumba de Priscila, em Roma, pode-se ver ainda hoje uma pintura da Virgem com o Menino Jesus. Esta pintura é do início do século III, quando os cristãos ainda morriam torturados nos circos da Roma pagã para testemunharem sua fé no Senhor Jesus Cristo. Ainda dessa época é a pintura de um pastor tocando flauta, imagem de Cristo Pastor, Filho de Davi, e uma outra, do Bom Pastor, com a ovelhinha aos ombros.
As pinturas dos santos e das cenas bíblicas eram consideradas pelos cristãos não somente normal, como também educativa:
Gregório Magno (séc. VII) repreendia o Bispo de Marselha:
Entre os séculos VIII e IX surgiu, no entanto, a heresia iconoclasta. Influenciados pelo judaísmo, pelo islamismo e por seitas gnósticas cristãs, que negavam a verdade da Encarnação do Verbo divino e, portanto, que Cristo Se tivesse realmente feito homem de carne e osso, com um corpo material, os iconoclastas passaram a negar a legitimidade das imagens sagradas. Os Bispos da Igreja de Cristo, então, reuniram-se no II Concílio de Niceia, em 787, afirmando a legitimidade e validade do culto das imagens, condenando a heresia iconoclasta. O Concílio distinguia entre latréia (= adoração), devida somente a Deus e proskynesis (= veneração) tributável aos santos e suas imagens já que estas os recordam e representam. Na reta doutrina cristã, o culto às imagens é relativo: só se explica e é aceitável na medida em que é tributado indiretamente àqueles que as imagens representam. Note-se que nesta época do II Concílio de Niceia não havia outra Igreja cristã, a não ser a Igreja católica, com exceção de pequenas facções heréticas que não aceitavam a divindade ou a humanidade de Cristo na sua totalidade.
Eis o ensinamento desse Concílio, inspirado pelo Espírito Santo:
Esta é a doutrina da Escritura e da Igreja de Cristo sobre as imagens! E tal doutrina vem das origens! A Igreja permite as imagens de Cristo porque o próprio Deus Se fez imagem, em Jesus nosso Senhor: Ele, como já vimos é a imagem do Deus invisível. São João Damasceno (séc VIII) explicava:
A ideia é clara: Deus fez-Se imagem para Si mesmo em Cristo, portanto, pode-se fazer imagem de Cristo! E a dos santos? Os santos são cristãos como qualquer outro, mas que tiveram a coragem de não se fechar para a graça de Cristo, fazendo de suas vidas uma imagem da vida de Cristo. Como dizia São Paulo:
Assim como trouxemos a imagem do homem terrestre, assim também traremos a imagem do Homem celeste (1Cor 15,49).
A ideia de Paulo é belíssima, profunda e central no cristianismo: como o homem trouxe em si a imagem do homem pecador, do primeiro Adão, agora, convertido e batizado, traz em si a imagem do Homem celeste, o novo Adão, Cristo Jesus. E quanto mais se vive a Vida nova de Cristo, mas se é conforme à imagem de Cristo:
Os cristãos fazem imagens dos santos – particularmente da Virgem Maria – porque eles, com a sua vida, foram de tal modo abertos à graça de Cristo que se tornaram imagens vivas Daquele que é a Imagem do Deus invisível. Os santos tiveram a coragem de levar até às últimas conseqüências o apelo de Paulo: “Tende em vós os mesmos sentimentos de Cristo Jesus” (Fl 2,5).
Vê-se, assim, que a Igreja tem motivos de sobra para venerar as sagradas imagens. Tanto que Martinho Lutero (séc. XVI) principal fundador dos protestantes, apesar de errar em muitas de suas doutrinas, escrevendo sobre as imagens, na obra “Sobre a Ceia de Cristo”, afirmava o seguinte:
Penso que estas informações sejam suficientes para explicar o uso das imagens e refutar decididamente a calúnia de quem afirma que os católicos adoram imagens. Certamente, contudo, é necessário reconhecer que há pessoas que abusam e exageram na sua prática. Tais pessoas, no entanto, e tais práticas abusivas não são de acordo com o sentimento nem com a fé da Igreja de Cristo. Elas, certamente, não adoram as imagens, mas podem, por ignorância e má formação, cometer excessos na veneração às sagradas imagens. Por isso, a necessidade de uma catequese paciente e constante, neste e em outros pontos da doutrina cristã.
Dom Henrique Soares da Costa
Bispo de Palmares
Fonte: Visão Cristã