A Igreja não é uma empresa e a obra de evangelização não é a oferta eficiente de um produto à venda… O que sustenta a Igreja santa de Cristo não somos nós com nossas peripécias e piruetas pastorais, com nossas novidades pouco fieis ao Senhor, com nossa genialidade religiosa e inventiva. Nada disso!
É a graça de Deus, é a potência do Espírito do Ressuscitado que nos guia, que sustenta os discípulos do Senhor, que conduz pelos caminhos da história a Esposa do Cordeiro.
Muitas vezes, diante das dificuldades pastorais, diante da descristianização de nossa sociedade, diante da secularização ateia que vemos alastrar-se, preocupamo-nos tanto e esquecemos que há Alguém sentado no Trono dos Céus, que o Cordeiro venceu e tem nas mãos o livro da história, que o Espírito do Ressuscitado está presente no coração do mundo…
Não somos nós, os cristãos, os senhores da história; não somos nós os que dão um rumo à Igreja… É o Senhor, somente o Senhor!
Certamente, que devemos anunciar o Evangelho, certamente que devemos nos empenhar de modo inteligente e dedicado para que o mais possível de pessoas conheçam o Cristo que o Pai nos enviou e Nele encontrem a Vida em abundância, a Vida eterna… Mas, tudo isto sem estresse, sem a angústia de pensar que somos nós quem salvaremos o mundo…
Sempre me impressiona e inspira a visão dos antigos Padres da Igreja, aqueles santos doutores que viveram nas primeiras gerações do cristianismo. Eles não pensavam que um dia o mundo todo seria cristão ou que toda a humanidade haveria de crer em Jesus, o Cristo de Deus. O que eles queriam era anunciar o Senhor, fazer com que o Seu Nome ecoasse por toda a terra e que em todos os lugares houvesse uma pequena comunidade de cristãos – a Santa Igreja – que anunciassem a Palavra, dela vivessem, celebrassem os santos sacramentos por eles mesmos e pelo mundo inteiro e fossem, onde estivessem, sal e luz. Somente isto!
Várias vezes tenho insistido nesta ideia e cada vez sou mais convicto disto! Quando penso no esforço enorme para enchermos nossas igrejas a qualquer custo, quando vejo certas inculturações e certos diálogos com o mundo que não passam de traição à fé disfarçada de boa vontade, quando testemunho padres fazendo absurdos e dizendo que essas coisas são válidas porque enchem as igrejas, quando observo a secularização em nosso clero e nos nossos religiosos com o pretexto de estarmos mais próximos do povo, quando constato os tantos projetos e escritos e o tão pouco de abandono humilde, orante e silencioso nas mãos do Senhor, penso o quanto estamos fora do foco…
É quando silenciamos diante do Senhor, quando olhamos, com o coração na mão, a Sua Cruz, quando celebramos os Seus mistérios na sagrada liturgia, que, então, com suave alegria, compreendemos que entendemos pouco, que podemos quase nada e que não passamos de amados e simples instrumentos nas mãos do Senhor. Não sabemos por onde o nosso bendito e santo Salvador vai guiar a Sua Igreja, não sabemos quantos serão os filhos da Igreja daqui a cem anos… O que sabemos é que Ele estará lá, conosco, guiando-nos, fidelíssimo, consolando-nos e enchendo-nos da doce certeza da Sua Ressurreição!
Era a manhã do Sábado Santo de 1980, logo após o café, quando disse à minha família que iria entrar no seminário. Naquela ocasião, meu pai conversou comigo quase até a hora do almoço. Deu-me, então, um conselho do qual nunca esqueci, nunca esquecerei: que eu fizesse o melhor que estivesse ao meu alcance como padre, que eu não poupasse minhas forças, energias e talentos no serviço do Senhor; mas, que nunca me preocupasse com o resultado, que não me impressionasse com ele, que deixasse tudo nas mãos do Senhor… Tenho certeza de que meu pai não recorda de nada disso que me disse… Mas, eu recordo e sei, com certeza certa, que, naquela manhã, o Senhor falou por ele…
Hoje, passados tantos anos, quando escuto os debates, quando leio as análises, quando vejo as iniciativas pela evangelização, quando constato as soluções artificiais e pouco piedosas e fieis, recordo, sereno, daquelas palavras… Olho o Senhor, o Crucificado, que fracassou na Cruz e venceu, porque foi fiel e obediente ao Pai até o fim… Lembro, então, daquelas palavras do meu pai e daquelas outras, do cântico de nossas comunidades: “Lança a semente na terra, não será em vão; não te preocupe a colheita: plantas para o irmão”. Respiro fundo, olho para o meu Senhor, e cheio de paz, sorrio dos desafios e, feito menino meio despreocupado, sigo adiante… A verdade é que ainda hoje, como Bispo, guardo no coração a mesma esperança e a mesma certeza dos dias da minha juventude, quando disse aos meus pais que iria abraçar o sacerdócio, entregando minha vida ao meu Senhor e Salvador…
Eis os sentimentos que levo no coração constantemente e confio, com a graça de Deus, que levarei sempre…
Dom Henrique Soares da Costa
Bispo de Palmares
Fonte: Visão Cristã