Exploremos, agora, mais um tópico, desta riquíssima realidade que é a Eucaristia. Veremos agora como toda a missão da Igreja deriva da Eucaristia.
Um dos nomes dados à Celebração eucarística é o de “Missa”, “porque a liturgia na qual se realizou o mistério da salvação termina com o envio (missio) dos fieis para que cumpram a vontade de Deus na sua vida cotidiana” (Catecismo, 1332). “Ide!” – é a última palavra de Missa. Ide para testemunhar o que vivestes, o que celebrastes! Acabastes de escutar o Senhor que vos falou nas Escrituras; acabastes de comer e beber com Ele e O reconhecestes ao partir o pão (cf. Lc 24,35). Agora, deveis levantar-vos e ir adiante, testemunhando que o Senhor está vivo, que Ele caminha conosco! Eis o sentido do termo “missa”. A Missa termina com o envio à missão de testemunhar o Cristo com nossa palavra e com nossa vida. Em certo sentido, ao participarmos da santa Missa e terminarmos a Celebração, os nossos sentimentos e atitudes devem ser os mesmos dos primeiros cristãos dando testemunho do Ressuscitado: “Deus o ressuscitou ao terceiro dia e concedeu-Lhe que Se tornasse visível, não a todo o povo, mas às testemunhas anteriormente designadas por Deus, isto é, a nós, que comemos e bebemos com Ele, após Sua Ressurreição dentre os mortos. E ordenou-nos que proclamássemos ao povo e déssemos testemunho de que Ele é o Juiz dos vivos e dos mortos, como tal constituído por Deus” (At 10,40-42). Ou seja: participar da Eucaristia, ouvindo o Ressuscitado, comendo e bebendo com Ele, faz de cada cristão e de cada comunidade cristã testemunhas e anunciadores do Cristo pascal diante do mundo! É precisamente a convivência com o Senhor no Banquete eucarístico que faz sempre de novo a Igreja uma comunidade de missionários, de testemunhas, de anunciadores!
Mais ainda: encontrar na Eucaristia o Senhor imolado e ressuscitado, como Se encontra na Glória e como a Igreja inteira e cada um de nós irá encontrá-Lo no Dia final, compromete os cristãos a consagrarem todo o mundo ao Senhor para que tudo seja santificado e transfigurado no mundo que há de vir. A Encíclica Ecclesia de Eucharistia afirma: “Consequência significativa da tensão escatológica presente na Eucaristia é o estímulo que dá à nossa caminhada na história, lançando uma semente de ativa esperança na dedicação diária de cada um aos seus próprios deveres. De fato, se a visão cristã leva a olhar para o ‘novo céu’ e a ‘nova terra (Ap 21,1), isso não enfraquece, antes estimula o nosso sentido de responsabilidade pela terra presente. Desejo reafirmá-lo com vigor (…) para que os cristãos se sintam ainda mais decididos a não descurar os seus deveres de cidadãos terrenos. Têm o dever de contribuir com a luz do Evangelho para a edificação de um mundo à medida do homem e plenamente conforme ao desígnio de Deus” (n. 20). Ao participar do Banquete eucarístico, no qual Cristo entrega-Se pelo mundo inteiro, no qual as realidades deste mundo, pão e vinho, são transfiguradas no Corpo e no Sangue do Senhor, o cristão, como membro do Povo sacerdotal, tem o dever sagrado de consagrar o mundo para o Senhor. Isto se realiza assumindo com amor e responsabilidade as tarefas e desafios de cada dia, procurando, nas realidades temporais, testemunhar e edificar o Reino de Deus que Cristo pregou e inaugurou pela Sua existência humana, até a Morte e Ressurreição.
O anúncio missionário de Jesus Cristo não se faz somente com a palavra e a pregação, mas também com o sereno e perseverante testemunho concreto dos cristãos nos grandes desafios e problemas do mundo atual: “Muitos são os problemas que obscurecem o horizonte do nosso tempo. Basta pensar quanto seja urgente trabalhar pela paz, colocar sólidas premissas de justiça e solidariedade nas relações entre os povos, defender a vida humana desde a concepção até ao seu termo natural. E também que dizer das mil contradições dum mundo ‘globalizado’, onde parece que os mais débeis, os mais pequenos e os mais pobres pouco podem esperar? É neste mundo que tem de brilhar a esperança cristã! Foi também para isto que o Senhor quis ficar conosco na Eucaristia, inserindo nesta Sua presença sacrificial e comensal a promessa duma humanidade renovada pelo Seu amor. É significativo que, no lugar onde os sinóticos narram a instituição da Eucaristia, o evangelho de João proponha, ilustrando assim o seu profundo significado, a narração do lava-pés, gesto este que faz de Jesus mestre de comunhão e de serviço (cf. Jo 13,1-20). O apóstolo Paulo, por sua vez, qualifica como ‘indigna’ duma comunidade cristã a participação na Ceia do Senhor que se verifique num contexto de discórdia e de indiferença pelos pobres (cf. 1Cor 11,17-22.27-34). Anunciar a Morte do Senhor ‘até que Ele venha’ (1Cor 11,26) inclui, para os que participam na Eucaristia, o compromisso de transformarem a vida, de tal forma que esta se torne, de certo modo, toda eucarística. São precisamente este fruto de transfiguração da existência e o empenho de transformar o mundo segundo o Evangelho que fazem brilhar a tensão escatológica da Celebração eucarística e de toda a vida cristã: ‘Vinde, Senhor Jesus!’ (cf. Ap 22,20)” (Ecclesia de Eucharistia, 20).
Uma comunidade que celebrasse a Eucaristia fechada em si mesma, sem se preocupar com o anúncio e testemunho do Cristo Jesus ao mundo, sobretudo no serviço aos mais pobres, na defesa da justiça e da paz, na proclamação do Evangelho da vida e na denúncia de tudo quanto fira e contrarie o plano de Deus para a humanidade, seria uma comunidade infiel à Eucaristia e indigna de participar dela. O Sacramento eucarístico, portanto, compromete profundamente com a missão, abrindo a Comunidade que celebra os santos Mistérios para o mundo, que espera o nosso testemunho e ao qual nós somos enviados (missi, em latim). Claro que isto deve ser feito sem a pretensão de sermos melhores que os demais e sem motivações ideológicas quais sejam, mas simplesmente por puro e desinteressado amor ao Senhor que escutamos e encontramos na Eucaristia.
Alimentando-se desse Sacramento, os cristãos nutrem a sua vida e tornam-se vida que sustenta o mundo, dando, assim, sentido cristão à vida, que é sentido sacramental, isto é, uma vida vivida em Cristo, por Cristo e com Cristo para a vida do mundo. Esta missão e responsabilidade são tanto mais urgentes no mundo atual, sufocado pela perda do sentido de Deus e do sagrado; mundo atolado no seu próprio fechamento, que já não consegue perceber a existência à luz do desígnio de Deus. Pois bem, é deste Sacramento que provém, para o cristão a experiência mais forte de um sentido da vida como dom de Deus e parceria com o Senhor. Também da Eucaristia brota o dom da caridade e da solidariedade em relação ao mundo, pois o Sacramento do Altar não pode separar-se do mandamento novo do amor recíproco. No Altar experimentamos como o Senhor deu-Se totalmente. Ora, comungar com Ele é colocar-se num estado de doação total para que, em Cristo, a humanidade tenha a Vida divina!
Seria um grande erro pensar no compromisso eucarístico somente em relação à nossa santificação e à nossa comunhão fraterna no interior da Comunidade eclesial que é a Igreja. Esse Sacramento bendito nos impele para o mundo, no testemunho daquele Senhor a quem vimos e ouvimos. Eis por que a Eucaristia é a força que nos transforma, enche de santa certeza e entusiasmo, e fortalece as nossas virtudes; estimula a nossa caminhada na história, lançando uma semente de ativa esperança na dedicação diária de cada um aos seus próprios deveres, na família, no trabalho, na economia, nas artes, no empenho político, enfim, na cultura em geral. Desta nota social da Eucaristia, a missão de cada um na Igreja recebe força e confiança.
Já desde o início do segundo século, Santo Inácio de Antioquia definia os cristãos como aqueles que “vivem de acordo com o Domingo”, pela fé na Ressurreição do Senhor e da Sua presença na Celebração eucarística. Viver “de acordo com o Domingo”, dia de Eucaristia, é viver na esperança da presença e da Vinda do Senhor, o que faz do cristão um construtor do mundo novo a ser consagrado a Cristo Jesus e com Ele ofertado ao Pai no Santo Espírito (cf. 1Cor 15,23s). São Justino, nesta mesma perspectiva, na conclusão da Eucaristia dominical evidenciava a urgência ética de uma vida coerente com a comunhão com o Senhor: “Aqueles, portanto, que vivem na abundância e querem dar, dão conforme cada um entende, e o que se recolhe é deposto junto de quem preside; é este mesmo que socorre os órfãos e as viúvas, e quantos são esquecidos por motivo de doença ou por qualquer outro motivo, os encarcerados, os estrangeiros; em poucas palavras, torna-se provedor de quantos passam por necessidade”. Desde a Antiguidade, portanto, é clara a consciência das exigências que a celebração do Sacrifício eucarístico comporta em termo de compromisso com o mundo. Nada mais estranho ao espírito eucarístico que uma espiritualidade de alheamento em relação ao mundo e de descompromisso com os problemas da humanidade, sobretudo no âmbito concreta daqueles que vivem conosco e em torno a nós.
Outro aspecto importante é que a Eucaristia fundamenta e aperfeiçoa a missão entre aqueles que não creem em Cristo, seja nos países de missão, seja nas nossas cidades, nas nossas famílias e nos ambientes onde Cristo já não é conhecido, vivido nem amado. O sentido da missão é urgente; o anúncio de Jesus Cristo morto e ressuscitado, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, Vida e esperança da humanidade, é um imperativo para todo e cada cristão. Se “não podemos calar o que vimos e ouvimos” do Verbo da Vida que em cada Eucaristia Se manifesta na Sua Palavra e no Seu Corpo e no Seu Sangue, então da Celebração eucarística nasce para todo o cristão o dever de colaborar na dilatação do corpo de Cristo, que é a Igreja. A atividade missionária, de fato, pela palavra da pregação e pela celebração dos sacramentos, cujo centro e ápice é a Sagrada Eucaristia, torna presente a Cristo, autor da salvação no coração do mundo. O mandamento missionário, que levou, não poucas vezes, ao martírio, sofrido até aos nossos dias por pastores e fieis, precisamente durante a celebração da Eucaristia, tende a levar à multidão dos homens a salvação dada no Sacramento do pão e do vinho. Por conseguinte, a Sagrada Comunhão produz todos os seus frutos: aumenta a nossa união com Cristo, separa-nos do pecado, consolida a comunhão eclesial, empenha-nos em favor dos pobres, dá-nos ânimo e vigor missionário, aumenta a graça e dá o penhor da Vida eterna.
Uma bela e eloquente ilustração de tudo quanto aqui foi dito é a narrativa do encontro do Senhor Jesus com os discípulos de Emaús. Desanimados e abatidos pela dura realidade da vida, eles se renovam e sentem o coração arder quando o Senhor caminha com eles e, na estrada da vida, explica-lhes nas Escrituras o sentido dos acontecimentos. Ouvindo o Senhor, a dura realidade vai tomando nova feição e novo sentido. Este itinerário se completa quando o Ressuscitado senta-Se com eles para a Fração do Pão. Então, seus olhos se abrem e eles reconhecem o Senhor. Detalhe importantíssimo é que os dois discípulos já não conseguem ficar parados e inativos, mesmo o dia já tendo declinado e já sendo noite: “Naquela mesma hora, levantaram-se… e narraram os acontecimentos do caminho e como o haviam reconhecido na Fração do Pão” (Lc 24,33.35).Também a Comunidade celebrante não pode ficar parada, inerte, ante tão profunda experiência de escutar o Senhor nas Escrituras e com Ele partir o Pão e repartir o Cálice. Deve levantar-se, deve correr ao mundo, deve anunciar o Senhor, com o entusiasmo e a convicção de quem viu, ouviu e experimentou, de quem é testemunha! Essa sede missionária é uma medida muito importante da fecundidade e da verdade das eucaristias de nossas comunidades. Sem esse compromisso, seremos julgados pelo talento que recebemos e preguiçosamente enterramos…
Dom Henrique Soares da Costa
Bispo de Palmares
Fonte: Visão Cristã