Palmares, 23 de novembro de 2024

Meditação para o XXIV Domingo Comum – Ano A

12 de setembro de 2020   .    Visualizações: 528   .    Homilias

Caríssimos, no Evangelho ouvimos a parábola do devedor implacável. Recordemos que estamos terminando o capítulo 18 de São Mateus, no qual Jesus trata da vida da Igreja, a Comunidade dos Seus discípulos.
No Domingo passado, o nosso Salvador bendito nos mandava corrigir o caso o irmão nos fizesse o mal. Corrigir para salvar, corrigir para dar o perdão.
Hoje, Pedro pergunta quantas vezes se deve dar o perdão a quem nos fez mal na Comunidade. Jesus responde: Perdoa sempre! Mas, aprofundemos esta Palavra de Deus que nos é dirigida como luz e caminho da nossa vida.

Uma coisa que a humanidade atual, tão cheia de si, não compreende é que a verdadeira liberdade nossa, a autêntica maturidade, somente é possível se formos abertos para Deus na nossa vida. O homem fechado em si é presa de suas paixões, de sua tendência à autoafirmação, à amargura, ao rancor, à vingança… Quando nos abrimos para Deus e temos a coragem de nos deixar medir por Ele, aí sim, somos obrigado a nos deixar a nós mesmos e nos sentimos compelidos a ver, sentir e agir conforme o Coração de Deus.
Tomemos a primeira leitura da Missa. Observemos como Deus nos coloca freio, como nos educa, como nos serve de medida e modelo: “Quem se vingar encontrará a vingança do Senhor, que pedirá severas contas dos seus pecados. Perdoa a injustiça cometida por teu próximo: assim, quando orares, teus pecados serão perdoados. Lembra-te do teu fim e deixa de odiar; pensa na destruição e na morte, e persevera nos mandamentos. Pensa na aliança do Altíssimo, e não leves em conta a falta alheia!”
Eis, irmãos, Deus no colocando freio e rédeas às paixões! E por quê? Porque, como diz o Salmo: “Ele te perdoa toda culpa, e te cerca de carinho e compaixão. Não fica sempre repetindo as Suas queixas, nem guarda eternamente o Seu rancor. Não nos trata como exigem nossas faltas nem nos pune em proporção às nossas culpas…” É esta a grande diferença entre quem crê e não crê, entre quem é aberto para Deus e para Ele se fecha: para quem crê, a medida é Deus, é o coração do Pai do Céu, tal qual Jesus no-Lo revelou! Já para quem não crê, a medida é próprio desejo, a própria vontade, o próprio capricho, a própria razão, a própria paixão!

Esta idéia aparece muito clara na segunda leitura de hoje. O Apóstolo nos recorda que a vida não nos pertence de modo fechado, absoluto; a vida é um dom e como dom deve ser vivida: “Ninguém dentre nós vive para si mesmo ou morre para si mesmo. Se estamos vivos, é para o Senhor que vivemos; se morremos, é para o Senhor que morremos. Vivos ou mortos, pertencemos ao Senhor”. Ele, portanto, é nossa medida, nosso critério e nossa realização; Ele, que por nós morreu e ressuscitou, para ser o nosso Senhor.

Pensando nisso, detenhamo-nos, agora, no Evangelho. Como já disse, a questão aqui é ainda a vida na Igreja.
Quantas vezes perdoar? Até quando conservar um coração aberto, disponível, sem deixar-se levar pela tristeza e a amargura, o rancor e o fechamento? Até quando manter a doçura, filha da esperança, fruto da certeza da vitória do Senhor? Até que ponto acreditar no irmão, esperar algo de bom dele, depois de repetidas quedas e ofensas?
O Senhor Jesus nos adverte que o perdão deve ser dado sempre porque o Coração do Pai, como o do rei da parábola, é assim: cheio de compaixão, capaz de perdoar toda a dívida. Observem, caríssimos, que Jesus começa dizendo que o Reino dos Céus é assim: o Reinado de um Rei que é Pai e perdoa. O Rei é o Pai de Jesus, o Rei é o Deus que perdoa sempre e quem O conhece, quem mergulha no Seu Coração, quem experimenta o Seu amor, poderá também, por amor de Deus e no amor de Deus, derramar o perdão sobre os outros. Não é a isto que nos convida a Escritura: “Filhinhos, quanto a nós, amemos, porque Ele nos amou primeiro!” (1Jo 4,19). Quem experimentou que é amado e perdoado pelo Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, não pode não derramar esse perdão, esse amor sobre os irmãos! Ora, o Pai somente reina no coração de quem perdoa como Ele mesmo perdoa, como Ele mesmo nos perdoou e acolheu em Jesus, que morreu e ressuscitou para ser o perdão de Deus para nós!
Eis, portanto, o que é a Igreja: o espaço, o ambiente daqueles que conheceram em Jesus o amor do Pai; o ambiente o espeço no qual o Reinado de Deus deve manifestar-se no mundo; lugar da misericórdia, do acolhimento, do amor, do perdão mil vezes, da esperança que não desiste, da doçura aprendida e bebida daquele Coração aberto na cruz.
A Igreja deve ser assim, não porque sejamos bonzinhos, mas porque aprendemos assim do Coração do Pai de Jesus!
Com efeito, como experimentará o perdão de Deus quem tem o coração fechado para os outros? Quem reconhecerá de verdade que tudo deve a Deus e nunca pagará o bastante quem não perdoa as dívidas dos irmãos?
É preciso que compreendamos ser impossível experimentar Deus como amor e doçura – e nosso Deus é assim; Jesus no-Lo revelou assim! – se não nos deixarmos inundar pelo amor e doçura de Deus, inundar nosso coração, até transbordar para os irmãos!

Caríssimos, no Senhor, que o silêncio da oração, que a contemplação persistente do Cristo e de Seus gestos e palavras, que a humilde docilidade ao Espírito de Amor, derramado em nossos corações, que a participação piedosa, recolhida e devota da Eucaristia, faça o nosso coração aprender do Coração do Pai de Jesus!
Eis aqui como a Comunidade chamada Igreja – esta Comunidade reunida para a Eucaristia, no Nome do Pai e do Filho e do Santo Espírito – será sinal do Reino, início do Reino, semente do Reino. Somente assim poderemos dizer ao mundo sedento de Deus: Vinde e vede: aqui vereis o Amor, aqui experimentareis o Amor, aqui vivereis de Amor!
Que o Senhor no-lo conceda. Amém!

Dom Henrique Soares da Costa
Bispo de Palmares


Fonte: Dom Henrique Soares da Costa