Palmares, 12 de novembro de 2024

Homilia para o XXIII Domingo Comum ano c Dom Henrique Soares da Costa

07 de setembro de 2019   .    Visualizações: 1293   .    Homilias

Sb 9,13-18

Sl 89

Fm 9b-10.12-17

Lc 14,25-33

O “naquele tempo” do Evangelho que escutamos, prolonga-se neste tempo que se chama hoje. “Naquele tempo, grandes multidões acompanhavam Jesus”. Eram muitos os que O admiravam, muitos os que O escutavam, como hoje.

Mas, Jesus voltando-Se, lhes disse – e diz aos que O querem acompanhar hoje -, com toda franqueza, quais as condições para serem aceitos como Seus discípulos: “Se alguém vem a Mim, mas não se desapega e seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs e até da sua própria vida, não pode ser Meu discípulo. Quem não carrega sua cruz e não caminha atrás de Mim, não pode ser Meu discípulo”. É impressionante a sinceridade do Senhor nosso!

É tão escandaloso para os ouvidos politicamente corretos e almofadinhas do mundo atual, mas, olhemos bem que não são todos os que podem ser discípulos do Cristo Jesus! É certo que todos são chamados, pois “o desejo de Deus é que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2,4), mas também é certo que nem todos estão dispostos a escutar de verdade o convite do Senhor e a aceitar Suas exigências. E Jesus, nosso Senhor, é claríssimo: Ele somente aceita como discípulo – somente pode ser Seu discípulo – quem se dispõe, com sinceridade, a caminhar atrás Dele, seguindo os Seus passos no caminho! É Ele quem dá as cartas, é Ele quem dita as normas, é Ele quem mostra o caminho e quem diz o que é certo e o que é errado! Que palavra tão difícil para cada um de nós, para o mundo atual, que se julga maduro e sábio o bastante para fazer seu próprio caminho e até para julgar os caminhos de Deus! Quem assim age, permanecendo fechado em si mesmo – diz Jesus, o nosso Deus Salvador -, “não pode ser Meu discípulo!”

E o que é ser discípulo? É colocar-se no caminho Dele, é renunciar a decidir por si mesmo que rumo dar à sua vida, para seguir o caminho do Mestre, colocando os pés nos Seus passos; ser discípulo é se renunciar a si próprio para ser em Jesus, pensando como Ele, vivendo como Ele, agindo como Ele… Ser discípulo é fazer de Jesus Cristo o tudo, o fundamento da própria existência: “Qualquer um de vós, se não renunciar a tudo que tem,a tudo que é, à sua própria segurança, ao seu próprio modo de pensar,não pode ser Meu discípulo!”

É preciso que compreendamos que esta exigência tão radical do Senhor não é por capricho, não é arbitrária, não é humilhante ou desumana para nós. O Senhor é tão exigente porque nos quer libertar de nós mesmos, de nosso horizonte fechado e limitado à nossa própria razão, ao nosso próprio modo de ver e pensar as coisas e o mundo. O Senhor nos quer libertar da ilusão de que somos autossuficientes e sábios, de que somos deuses! Como têm razão, as palavras do Livro da Sabedoria: “Qual é o homem que pode conhecer os desígnios de Deus? Ou quem pode imaginar o desígnio do Senhor? Quem, portanto, investigará o que há nos céus?” O homem, sozinho, é incapaz de compreender o mistério da vida, que somente é conhecido pelo Coração de Deus! Isto valia para ontem, e continua valendo para hoje e valerá ainda para amanhã, mesmo com todo o desenvolvimento da ciência, com toda a pressão do politicamente correto e com toda a ilusão de que nos bastamos a nós mesmos e podemos por nós mesmos decidir o que é certo e o que é errado. O homem, fechado em si mesmo, jamais poderá compreender de verdade o mistério de sua existência e o sentido profundo da realidade. É preciso ter a coragem de abrir-se, de ser discípulo, de seguir aquele que veio do Pai para ser nosso Caminho, nossa Verdade e nossa Vida! “Na verdade, os pensamentos dos mortais são tímidos e nossas reflexões, incertas… Mal podemos conhecer o que há na terra e, com muito custo compreendemos o que está ao alcance de nossas mãos”. É por isso que o Salmista hoje nos faz pedir com humildade: “Ensinai-nos a contar os nossos dias, e dai ao nosso coração sabedoria!”

Só quando nos renunciarmos, só quando colocarmos o Senhor como o centro de nossa vida, do nosso modo de pensar e de agir, somente quando Ele for realmente o nosso Tudo, seremos discípulos de verdade. Então mudaremos de vida, de valores, de modo de agir. É o que São Paulo propõe a Filêmon, cristão, proprietário do escravo Onésimo. O Apóstolo recorda ao rico Filêmon que ser discípulo de Cristo comporta exigências e mudança de mentalidade: o escravo deve agora ser tratado como irmão no Senhor. Não podemos ser cristãos, apegados à nossa lógica e às coisas próprias do homem velho! Não podemos ser cristãos fazendo política como o mundo faz, tendo uma vida sexual como o mundo tem, pensando em questões como a homossexualidade, o divórcio, o aborto, o adultério como o mundo pensa, não podemos ser cristãos comportando-nos como o mundo se comporta e fazendo o que o mundo faz! Querer seguir o Senhor sem deixar-se, sem colocá-Lo como eixo e prumo da vida, é como construir uma torre sem dinheiro: não se chegará ao fim; é como ir para uma guerra sem exército suficiente: seremos derrotados! “Do mesmo modo, portanto, qualquer um de vós, se não renunciar a tudo que tem, não pode ser Meu discípulo!”

Que o mundo não compreenda esta linguagem, é de se esperar… Afinal, o homem psíquico – homem entregue somente à sua própria razão – não pode mesmo compreender as coisas do Espírito de Deus (cf. 1Cor 2,14). O triste mesmo é que os cristãos, isto é, nós, tenhamos a pretensão de ser discípulos sem procurar sinceramente nos renunciar, mortificando nossas tendências desordenadas, educando nossos instintos desatinados e deixando que a luz do Evangelho ilumine nossa razão e nosso modo de pensar… Triste mesmo é ver tantos cristãos na ilusão de que podemos ser de Cristo procurando aplausos e compreensão e elogio do mundo! Nada feito: “A linguagem da Cruz é loucura para aqueles que se perdem, mas para aqueles que se salvam, para nós, é poder de Deus” (1Cor 1,18). Esta sentença não tem apelo!

Cuidemos bem, para que, no fim de tudo, o nosso cristianismo não seja inacabado, tão inútil quanto uma torre deixada pela metade ou uma guerra na qual a derrota é certa. Que nos valha a misericórdia de nosso Senhor e nos ajude a viver da sua Palavra, porque, como disse hoje o Autor sagrado, dirigindo-se a Deus, “só assim se tornaram retos os caminhos dos que estão na terra e os homens aprenderam o que Te agrada, e pela Sabedoria foram salvos”. Que nos salve o Cristo, Sabedoria de Deus e Poder de Deus (cf. 1Cor 1,24). Amém.

Dom Henrique Soares da Costa

Bispo de Palmares

Fonte: https://visaocristadomhenrique.blogspot.com/2019/09/homilia-para-o-xxiii-domingo-comum-ano-c.html?m=1&fbclid=IwAR3pTml1z7H9gQhL8NpvmnAQYjAAAWa-Drhm_yAVYbVKPrB6Y7jqcFiR8_o