Palmares, 21 de novembro de 2024

Homilia para o II Domingo da Quaresma – Ano B

27 de fevereiro de 2021   .    Visualizações: 831   .    Homilias

Gn 22,1-2.9a.10-13.15-18
Sl 115
Rm 8,31b-34
Mc 9,2-10

Surpreende-nos, caríssimos, que neste tempo quaresmal, de tanta sobriedade, a Mãe católica nos coloque diante dos olhos, Jesus transfigurado. Não seria mais adequado este texto num dos domingos da Páscoa? Cabe tanta glória, tanta luz, tanto esplendor, neste tempo de oração, penitência, esmola e combate espiritual? Mas, não duvidemos: a Igreja tem seus motivos; motivos sábios, motivos de mãe que educa com carinho.

Primeiramente, a glória de Jesus no Tabor, antegozo da Sua Ressurreição, anima-nos e alenta-nos neste caminho quaresmal. Ao nos falar da oração, da penitência, da esmola, ao os exortar ao combate aos vícios e à leitura espiritual, a Igreja, fazendo-nos contemplar o Transfigurado, revela-nos qual o objetivo da Quaresma: encontrar o Cristo cheio de glória e, com Ele, sermos glorificados.
Olhai o Tabor, irmãos, e vereis o que o Senhor preparou para nós! Que diz o Evangelho? Diz que, diante dos apóstolos, Jesus transfigurou-Se: “Suas roupas ficaram brilhantes e tão brancas como nenhuma lavadeira sobre a terra poderia alvejar”. Eis! A Transfiguração é uma profecia, uma antecipação da glória da Páscoa; e a Páscoa de Cristo é a garantia da nossa glorificação! Porque Cristo morreu e ressuscitou, nós também, mortos com Ele, seremos ressuscitados em Glória, seremos daquela multidão vestida de branco, de que fala o Apocalipse (cf. 7,9)! Então, ânimo! As observâncias da santa Quaresma não são um peso, mas um belo caminho, um belo instrumento para conduzir-nos à Páscoa do Senhor!

Mas, a leituras de hoje colocam-nos também diante de uma outra realidade, bela e profunda. Comecemos pela primeira leitura, na qual Deus pede a Abraão tudo quanto ele tinha: “teu filho único, Isaac, a quem tanto amas”. Isaac era tudo para Abraão: por ele, tinha deixado Ur na Caldeia, por ele tinha esperado mais de trinta anos, por ele tinha suportado todas as provas. E, agora, já idoso, sem nenhuma possibilidade de ter mais filhos, agora que o menino já estava crescidinho, Deus o pede a Abraão. Que prova, caríssimos! A fé de Abraão, aqui, chega quase que ao absurdo! Ele vai adiante e “estendeu a mão, empunhando a faca para sacrificar o filho”.

Caríssimos, Deus tinha o direito de pedir isso a Abraão? Deus tem o direito de nos provar? Tem o direito de pedir fé e confiança diante dos percalços da vida?
Poderíamos responder dizendo simplesmente que “sim”, porque Ele é Deus, deu-nos tudo e pode pedir-nos o que desejar. Mas, não é esta a resposta que a Palavra de Deus nos indica na liturgia de hoje. Ele nos pode pedir, certamente, e nós devemos dar, com certeza, porque Ele mesmo, o nosso Deus, nos deu tudo! Ele, que pede que Abraão Lhe sacrifique o filho único e amado, é o mesmo Deus que, como diz São Paulo, na segunda leitura deste hoje, “não poupou Seu próprio Filho, mas O entregou por todos nós!”

Eis o grande mistério: Deus, no Seu amor por nós – primeiro pelo povo de Israel, descendência de Abraão segundo a carne, e, depois, por toda a humanidade, com a qual ele deseja formar o Novo Povo, que é a Igreja – Deus, no Seu amor por nós, entregou à morte o Seu Filho único, o Amado, o Justo e Santo, Aquele no qual Ele coloca todo o Seu bem-querer, isto é, o Seu Espírito de amor.
Não é assim que Ele O apresenta hoje no Monte Tabor? “Este é o Meu Filho amado. Escutai o que Ele diz!” É este Filho que será entregue à morte.

O Evangelho de São Lucas nos diz que, precisamente nesta ocasião, Jesus transfigurado falava com Moisés e Elias “sobre a Sua partida, isto é, a Sua morte, que iria se consumar em Jerusalém”. E no Evangelho de São Marcos, que escutamos, o próprio Jesus, ao descer da montanha, “ordenou que não contassem a ninguém o que tinham visto, até que o Filho do Homem tivesse ressuscitado dos mortos”.

Compreendei, caríssimos: sobre o Monte Tabor, envolto em glória, paira a sombra da Paixão, da Morte do Filho amado e único, que o Deus de Abraão entregaria por nós até o fim. Ao filho de Abraão, a Isaac, Deus poupou no último momento; não poupará, contudo, o Seu próprio Filho!

Isto nos revela a dimensão do amor de Deus, da Sua paixão pela humanidade, do Seu compromisso salvífico em nosso favor! Ele pode nos pedir tudo, caríssimos, e nós deveríamos a Ele dar tudo, porque, ainda que não compreendamos, Ele deseja somente o nosso bem, a nossa vida, a nossa salvação! “Ainda que eu caminhe pelo vale tenebroso, nenhum mal temerei, pois estás junto a mim” (Sl 23/21,4) – não é assim que, cheia de certeza e esperança, a liturgia reza na Missa pelos mortos? Sim! Nem mesmo nos vales tenebrosos de nossa existência, deveremos temer, achar-nos sozinhos! Somos preciosos a Seus olhos benditos!

Escutai o Apóstolo: “Se Deus é por nós, quem será contra nós? Deus que não poupou Seu próprio Filho, mas O entregou por todos nós, como não nos daria tudo juntamente com Ele? Quem acusará os escolhidos de Deus? Deus, que os declara justos? Quem condenará? Jesus Cristo, que morreu, mais ainda, que ressuscitou, e está à direita de Deus, intercedendo por nós?” Eis, pois, amados em Cristo, a dimensão e a profundidade, a largura e a altura do amor de Deus por nós! Deixemo-nos, portanto, tocar no nosso coração; convertamo-nos! Abramo-nos para o Senhor! Arrependamo-nos de nossas indiferenças, de nossa frieza, de nosso fechamento! Tenhamos vergonha de tanta incredulidade e desconfiança de Deus, simplesmente porque não entendemos o Seu modo de agir! Que Santo Abraão, nosso pai na fé, e a Santíssima Virgem Maria, nossa Mãe na fé, intercedam por nós para uma verdadeira conversão quaresmal. E que, realizando com generosidade e amor, as práticas quaresmais, cheguemos às alegrias da Páscoa e, como Moisés, o servo de Deus, e Elias, o profeta, contemplemos nos santos mistérios da Liturgia, a face do Cristo glorificado. Amém.

Dom Henrique Soares da Costa
Bispo de Palmares


Fonte: Dom Henrique Soares da Costa
Foto: optolov.ru