Nossa meditação da Palavra do Senhor neste Domingo pode ser desenvolvida em cinco afirmações. Ei-las:
(1) Cristo está presente na Sua Igreja; jamais a deixará, “pois onde dois ou três estiverem reunidos em Meu Nome, Eu estou aí, no meio deles”.
Caríssimos, quantas vezes tal afirmação foi distorcida como se bastasse que uns quatro gatos pingados se reunissem com a Bíblia, interpretando-a a seu bel-prazer, e aí estaria Jesus… Nada disso! O sentido é exatamente o contrário. Aqui, neste capítulo 18 de São Mateus, Jesus está falando sobre a vida da Igreja, comunidade que Ele fundou e entregou aos apóstolos, tendo Pedro por chefe. Os dois ou três aos quais se refere o Senhor são os líderes da Comunidade que vão decidir a questão do irmão que não quer ouvir os outros e divide a Comunidade! O que a Igreja liga ou desliga na terra – e são os pastores (os Bispos com o Papa) que têm, em última análise, essa responsabilidade – o Senhor ratifica no Céu: “Em verdade vos digo, tudo o que ligardes na terra será ligado no Céu, e tudo o que desligardes na terra, será desligado no Céu!” A autoridade que Cristo deu a Pedro de um modo todo especial, deu-a também aos demais Bispos, os pastores autênticos da Sua Igreja, em comunhão com Pedro. Assim, a Igreja de Cristo será sempre comunhão – é isto que significa a expressão “os dois ou três”… É o contrário de um isolado… Nunca será um sozinho: nem um fiel sozinho, nem o Papa sozinho, mas sempre a comunidade dos fiéis e o Papa com os Bispos: os Bispos em comunhão com o Papa e o Papa em comunhão com os Bispos.
Pois bem, onde dois ou três, como Igreja, estiverem reunidos em Nome do Senhor, Ele estará ali, ratificando suas decisões, porque ali estará o Espírito Santo de unidade e de comunhão, como na Trindade Santa.
Que fique claro: não se pode agradar a Cristo, ser-Lhe fiel, rompendo com a Sua Igreja, com os “dois ou três”, isto é, a inteira Comunidade dos fiéis unida aos seus legítimos pastores! Ela, por mais que seja frágil por causa da nossa fragilidade, é a Comunidade que o Senhor reuniu, sustenta e na qual Se faz presente atuante na soberana potência do Seu Espírito!
(2) Essa Igreja é uma Comunidade de amor. O amor cristão não é simplesmente amizade ou simpatia humana, não é concordância de ideias ou de visão das coisas, mas o fruto da presença do próprio Espírito de Amor, o Espírito Santo em nós: “O amor de Deus foi derramado nos nossos corações pelo Espírito que nos foi dado!” (Rm 5,5). É desse amor que fala São Paulo no capítulo 13 da Primeira Carta aos Coríntios; é esse amor que “cobre uma multidão de pecados” (Tg 5,20), é esse amor que é “a plenitude da Lei”. Só ama assim quem se abre para o amor de Cristo, deixando-se guiar e impregnar pelo Seu Espírito de amor!
Ora, caríssimos, a Igreja deve ser o ambiente impregnado desse amor, mais forte que nossas diferenças de temperamento, de opiniões, de modo de agir… Onde está o amor, a caridade, Deus aí está; onde o amor reina, o Reino de Deus está presente neste mundo! A Igreja deve ser o lugar do amor, lugar do Reino! Mas, atenção, que somente poderemos viver esse amor deixando-nos guiar pelo Espírito Santo do Cristo Jesus, Ele que é o Amor no qual o Pai ama o Filho e o Filho Se deixa amar pelo Pai!
(3) Essa Comunidade de amor é Comunidade de compromisso, de responsabilidade no seguimento de Cristo. Por isso, não se pode usar o amor para acobertar a covardia, a tibieza, a frieza para com o Senhor, o afrouxamento da fé e da moral, o descaso para com os irmãos e os desmandos na Comunidade! O amor é exigente: “O amor de Cristo nos impele” (cf. 2Cor 5,14). A infidelidade ao amor a Cristo e aos irmãos é, precisamente, o pecado que gera a divisão, a desunião, que faz sangrar a Igreja. Por isso Jesus nos exorta à correção fraterna, desde aquela simples, feita entre irmãos, até a correção formal e mais solene, feita pelos legítimos pastores da Igreja de Cristo neste mundo: “Se o teu irmão pecar contra ti, vai corrigi-lo; se ele não te ouvir, toma contigo mais uma ou duas pessoas; se ele não der ouvido, dize-o à Igreja”.
Muitas vezes, vê-se confundir amor e misericórdia com a covardia ou o comodismo de não corrigir. Ora, caríssimos, a correção é um modo de amar, é um modo de preocupar-se com o outro e com a Comunidade que é ferida pelo pecado e o mau exemplo. A correção pode salvar o irmão. Quantos escândalos nas nossas Comunidades poderiam ter sido evitados se houvera a correção no momento oportuno e do modo discreto e sincero que Jesus nos recomenda. Isso vale para a Igreja menorzinha, que é nossa família doméstica, vale para o grupo do qual participamos, vale para a paróquia, a diocese e a Igreja universal (a verdadeira, a de Cristo, a Mãe católica!), espalhada por toda a terra.
A omissão em corrigir é covardia, é falta de amor à Comunidade que é a Igreja, é pecado de omissão e desatenção pelo irmão. Certamente, tal correção deverá ser feita sempre com amor, com discernimento, com paciência, com caridade fraterna. São Bento, na sua Regra, dá um preceito encantador: “In tribulationem subvenire” – poderíamos traduzir assim: “socorrer na tribulação”. Mas, a palavra latina é subvenire: vir por baixo, vir de baixo. Ou seja, socorrer sim, corrigir sim, mas com a humildade de quem vem por baixo para sustentar, amparar e ajudar, para salvar; não vem com a soberba de quem está por cima para massacrar! Corrigir, sim, mas como Deus, que em Jesus, veio por baixo, na pobreza do presépio e na humilhação da cruz! Aí, a correção terá mais chance de surtir efeito!
(4) Na Comunidade de amor às vezes pode ser necessária a punição. Pode ser que não surta efeito a correção fraterna; pode ser que aquele que é corrigido teime na sua dureza de propósito e repouse no erro. Jesus mesmo prevê tal possibilidade no Evangelho de hoje. E, então, o próprio Senhor exorta a que tal irmão seja punido. Que escândalo para a nossa mentalidade atual! Atualmente, em tempos mornos, desfibrados, de tiranias do politicamente correto, nossa tendência é somente recordar do Senhor as palavras que agradam e nos são convenientes! No entanto, a punição na Igreja é prevista pelo próprio Senhor Jesus e deve ser utilizada como medicina, não pela vingança ou o desafogo, mas deverá ser sempre remédio de amor, isto é, para produzir o arrependimento e a correção, restabelecendo a paz na Comunidade e a salvação do irmão. Que os pais tenha a coragem de corrigir; e os pastores da Igreja também!
(5) Qual o fruto de uma comunidade assim? A saúde fraterna: a alegria de viver como irmãos: “Se ele te ouvir, tu ganhaste o teu irmão!” Oh, que palavra tão doce: ganhar o irmão! Eis aqui o motivo último da correção fraterna!
Pensemos bem, caríssimos: a Igreja não é um clube de amigos, mas uma família de irmãos em Cristo! É o amor do Senhor Jesus Cristo que nos une. A alegria da comunhão fraterna somente será experimentada na sinceridade das nossas relações. Correção, sim; crítica destrutiva, murmuração, difamação, não! Neste sentido, todos nós precisamos fazer um sério exame de consciência, seja em nível de família, como naquele de grupos e paróquias e, até mesmo, de Diocese!
São esses os aspectos que a Palavra de Deus nos põe hoje. Recordemos a exortação do Senhor pela boca de Ezequiel: se não corrigirmos o irmão e ele morrer no seu pecado, a culpa é nossa; se ele se corrigir, ganhamos o irmão: viveremos nós e viverá ele – eis a marca do Reino de Deus neste mundo! Que ele aconteça em nossas comunidades por obra do Espírito de verdade, de comunhão e de paz! Amém.
Dom Henrique Soares da Costa
Bispo de Palmares
Fonte: Dom Henrique Soares da Costa