Continuemos a pensar a eucaristia como mistério de comunhão…
Estas exigências de comunhão provocadas pela Comunhão eucarística fazem com que aqueles que não estão em comunhão com o Senhor e com a Igreja no âmbito da vida não possam comungar no âmbito sacramental: “Que cada um examine a si mesmo antes de comer desse Pão e beber desse Cálice” (1Cor 11,28).
O que rompe a comunhão? Basicamente, o pecado, pois fratura a união com Cristo e com a Igreja, Seu Corpo.
Assim, quem se encontra em pecado grave contra o Senhor e contra os irmãos, deve, portanto, aproximar-se antes do sacramento da Reconciliação para poder participar do Corpo do Senhor. Nunca esqueçamos de que o pecado, como acabamos de afirmar, é ruptura de comunhão com Deus em Cristo e com o Seu Corpo, que é a Igreja: “Nesta linha, o Catecismo da Igreja Católica estabelece justamente: ‘Aquele que tiver consciência dum pecado grave, deve receber o sacramento da Reconciliação antes de se aproximar da Comunhão’. Desejo, por conseguinte, reafirmar que vigora ainda e sempre há de vigorar na Igreja a norma do Concílio de Trento que concretiza a severa advertência do apóstolo Paulo, ao afirmar que, para uma digna recepção da Eucaristia, ‘se deve fazer antes a confissão dos pecados, quando alguém está consciente de pecado mortal’. A Eucaristia e a Penitência são dois sacramentos intimamente unidos. Se a Eucaristia torna presente o sacrifício redentor da cruz, perpetuando-o sacramentalmente, isso significa que deriva dela uma contínua exigência de conversão, de resposta pessoal à exortação que São Paulo dirigia aos cristãos de Corinto: ‘Suplicamo-vos em Nome de Cristo: reconciliai-vos com Deus’ (2Cor 5,20). Se, para além disso, o cristão tem na consciência o peso dum pecado grave, então o itinerário da penitência através do sacramento da Reconciliação torna-se caminho obrigatório para se abeirar e participar plenamente do sacrifício eucarístico” (Ecclesia de Eucharistia, 36-37). É sempre útil recordar que os pecados graves dizem respeito também à vida da comunidade cristã: quem divide a comunidade, quem não aceita construí-la com seus dons e talentos, quem se fecha sobre si mesmo, desprezando a comunidade, que é corpo do Senhor, torna-se inapto para participar do Corpo do Senhor. Do mesmo modo, aquele que rompe gravemente com o irmão, a ponto de não mais reconhecê-lo como tal, também não deve participar do Corpo eucarístico de Cristo.
Um outro nível de comunhão, exigido pela Eucaristia, é o da comunhão na mesma doutrina recebida dos Apóstolos e a comunhão com os legítimos pastores da Igreja, de modo particular com o Bispo de Roma, sucessor de Pedro e os Bispos em comunhão com ele. A quebra dos vínculos visíveis de comunhão torna impossível a comunhão no mesmo Corpo eucarístico do Senhor. A este propósito, assim se exprime a Encíclica de São João Paulo II: “A Eucaristia, como suprema manifestação sacramental da comunhão na Igreja, exige, para ser celebrada, um contexto de integridade dos laços, inclusive externos, de comunhão. De modo especial, sendo ela como que a perfeição da vida espiritual e o fim para que tendem todos os sacramentos requer que sejam reais os laços de comunhão nos sacramentos, particularmente no Batismo e na Ordem sacerdotal. Não é possível dar a comunhão a uma pessoa que não esteja batizada ou que rejeite a verdade integral de fé sobre o Mistério eucarístico. Cristo é a Verdade, e dá testemunho da verdade (cf. Jo 14,6; 18,37); o sacramento do Seu Corpo e Sangue não consente ficções” (Ecclesia de Eucharistia, 38). Já no longínquo século I, Santo Inácio de Antioquia dizia: “Vós vos reunis numa única fé e em Jesus Cristo, ao partirdes um único pão, que é remédio de imortalidade”. Para São João Crisóstomo, “esta é a unidade da fé: quando todos formamos uma só coisa, quando todos juntos reconhecemos o que nos une”. A unidade da fé recebida no Batismo é o pressuposto para sermos admitidos na unidade da divina Eucaristia, porque através dela entramos em comunhão com Aquele que acreditamos ser consubstancial ao Pai, segundo a fé que temos Nele. Como se poderia, portanto, comungar Cristo juntamente com pessoas que sobre Ele têm um credo diferente? Tornar-nos-íamos réus do Corpo e Sangue do Senhor (cf. 1Cor 11,27). A Igreja, que é mãe, sente dor e amor por todos os homens, pelos não crentes, os catecúmenos, os que andam longe da fé, mas não tem o poder de dar a comunhão aos não batizados, nem aos que não professam a fé católica e apostólica bem como aos que se encontram objetivamente numa situação contrária à moral cristã. Recebendo o único Pão, entramos nesta única vida em Cristo e entre nós e tornamo-nos assim um único Corpo do Senhor. Fruto da Eucaristia é a união dos cristãos, antes dispersos, na unidade do único Pão e do único corpo eclesial. É por esse mesmo motivo, que a comunhão eucarística só pode ser recebida na unidade com toda a Igreja, superando toda a separação religiosa ou moral. Nunca se deve esquecer de que a Eucaristia não é simplesmente uma experiência pessoal, mas de cada cristão como membro do único Corpo eclesial do Senhor, unido à Cabeça, que é Cristo Senhor, e aos demais membros, todos vivificados e unidos na comunhão do Espírito Santo.
É preciso, pois, ainda dizer com toda franqueza que não vale o raciocínio dos que querem que nossos irmãos separados comunguem da nossa Eucaristia, dizendo que nós já temos certa comunhão ou ainda que a Eucaristia ajuda a fazer a comunhão e a superar as divisões. Tudo isso é verdadeiro, mas não é argumentação válida para permitir a intercomunhão. São João Paulo II adverte: “Acelebração da Eucaristia não pode ser o ponto de partida da comunhão, visando a sua consolidação e perfeição. O Sacramento exprime esse vínculo de comunhão quer na dimensão invisível, quer na dimensão visível que implica a comunhão com a doutrina dos Apóstolos, os sacramentos e a ordem hierárquica. A relação íntima entre os elementos invisíveis e os elementos visíveis da comunhão eclesial é constitutiva da Igreja enquanto sacramento de salvação. Somente neste contexto, tem lugar a celebração legítima da Eucaristia e a autêntica participação nela. Por isso, uma exigência intrínseca da Eucaristia é que seja celebrada na comunhão e, concretamente, na integridade dos seus vínculos” (Ecclesia de Eucharistia, 35).
Nos primeiros séculos de difusão do cristianismo, dava-se a máxima importância ao fato de em cada cidade existir um só Bispo e um só Altar, como expressão da unidade do único Senhor. Cristo dá-Se na Eucaristia todo inteiro e em todo o lugar e, por isso, em toda a parte onde for celebrada, ela torna presente plenamente o mistério de Cristo e da Igreja como mistério de Comunhão com o Senhor e entre os irmãos, membros do mesmo corpo. De fato, Cristo, que forma em todo o lugar um único corpo com a Igreja, não pode ser recebido na discórdia. Precisamente porque Cristo é inseparado e inseparável dos Seus membros, a Eucaristia só tem sentido se celebrada com toda a Igreja e num ambiente de caridade fraterna, de comum profissão da mesma fé católica, de participação ativa de todos e cada membro na vida da comunidade, de cuidado com os fracos e necessitados, de respeito para com os que caíram e estão sofrendo. São exigências da comunhão, exigências da Eucaristia!
Esta Sacramento deve encher os cristãos de saudades: saudade da comunhão íntima com o Senhor na vida de cada dia, saudade da comunhão com os irmãos na comunidade eucarística e com os irmãos que, por toda a terra, formam um só corpo, na comunhão do Corpo de Cristo, saudade dos irmãos que, por um motivo ou outro, não podem comungar eucaristicamente, saudade dos irmãos separados por não estarem conosco na profissão de fé integral, saudade, enfim, de que toda a humanidade possa, um dia, reconhecer a Cristo como Pão que alimenta nosso corpo e nossa alma, o seu Pai como nosso Deus e Pai, o seu Espírito como vida da nossa vida que nos reúne ao redor da mesma Mesa na qual toda a humanidade se reconheça como uma só família. E esta saudade deve tornar-se compromisso de oração, de comportamentos e ações que nos impilam concretamente àquela unidade do Corpo de Cristo que o Senhor tanto quer para a Sua Igreja.
Ainda continuaremos…
Dom Henrique Soares da Costa
Bispo de Palmares
Fonte: Visão Cristã