Meditação XXIX: Um Reino pelos séculos dos séculos
Reze o Salmo 119/118,49-56
Leia, como lectio divina, Tb 13.
1. Todo este capítulo 13 é uma oração; na verdade, uma grande bênção de louvor ao Senhor! Em todo o Livro, exorta-se insistentemente a que se bendiga o Senhor. E aqui, nas palavras de Tobit, a exortação encontra sua resposta: esta oração é uma explosão de bênçãos e louvores ao Rei Senhor pela Sua fidelidade e misericórdia para com Seus fieis, com o Seu Povo de Israel, com Sua Cidade Santa, Jerusalém e até mesmo para com todos os povos da terra. Isto é impressionante, sobretudo se se leva em conta que os israelitas se encontravam no desterro, oprimidos pelos gentios! Mas, já aqui, aparece claro que o Reinado de Deus deve estender-se por todos os povos! Israel não existe para si próprio, mas sua adoração ao Senhor Deus e o Seu Reinado no meio do Seu Povo, são em vista da extensão desse Reinado bendito a toda a humanidade! Vale para Israel o que o Apóstolo diz para cada um de nós: “Ninguém de nós vive e ninguém morre para si mesmo, porque se vivemos é para o Senhor que vivemos, e se morremos é para o Senhor que morremos” (Rm 14,7s). Isto mesmo: Israel, a Igreja, cada um de nós, existimos e vivemos para o Senhor! É em função do Seu Reino que tudo tem seu sentido verdadeiro!
Vejamos, nesta e na próxima meditação, alguns destes pontos presentes nesta oração.
2. Logo de saída, um tema que aparece em toda esta louvação de bênção é do Reino de Deus. Veja um pouco: “Bendito seja Deus que vive eternamente, e bendito o Seu Reino, que dura pelos séculos!” (v. 1);“Exaltai o Rei dos séculos!” (v. 6);“Minha alma louva o Rei do Céu.” (v. 8);“Bendize o Rei dos séculos.” (v. 10);“Povos numerosos virão a ti de longe… trazendo nas mãos presentes para o Rei do Céu.” (v. 11);“Minha alma, bendiz o Senhor, o grande Rei.” (v. 15);“Serei feliz se restar alguém de minha raça para ver tua glória e louvar o Rei do Céu.” (v. 16).
3. Muitas vezes, no Antigo Testamento, o Senhor é chamado de Rei. Ele é o Rei de Israel, Seu Povo e a Arca é o Seu trono. Os reis de Israel são totalmente dependentes do verdadeiro Rei divino, são ungidos por Ele, no Espírito Dele; são apenas ocupantes do “Trono da realeza do Senhor” (1Cr 28,5; cf. 2Cr 9,8; 1Sm 9,22 – 10,1; 16,1.10-13). Vários salmos chamam o Senhor de Rei (cf. Sl 47/46; 93/92; 97/96; 99/98; 100/99): Rei de Israel; Rei de toda a terra, Rei dos povos todos. Daniel fala de um Reino que não terá fim, um Reino suscitado pelo Senhor Deus. Leia Dn 2,44. O Povo de Deus sempre teve consciência de que o Seu Deus é o seu único Senhor: Ele o formou, o tirou do Egito, o governava com Seus preceitos e dirigia o seu destino. Israel foi descobrindo que sua razão de existir é viver na perfeita e total comunhão com o Senhor, colocando em prática a Sua Lei, vivendo, assim, fielmente à Aliança. Somente deste modo, o Povo santo viveria de verdade: teria paz com Deus e com os povos ao seu redor e viveria na bênção e na salvação, pois o Senhor reinaria verdadeiramente sobre o Seu Povo e o Seu Reinado bendito estender-se-ia a todos os povos da terra. Reze os Salmos 99/98 e 100/99.
Assim, pouco a pouco, o Povo de Deus foi deixando de lado uma ideia de reino meramente político e nacional , reino do Povo de Deus, e tomando consciência de que esse Reinado de Deus se estende por todo o universo e por toda a história humana e abarca todos os povos. É isto que vemos nesta oração de Tobit. Não se trata, portanto, de um Reino como os reinos do mundo, com critérios políticos ou sociais, não se trata de um Reino entre outros, mas de um Reino eterno, que pervade tudo e deve ser acolhido primeiramente nos corações. Deus reina; reconhecer isto na existência concreta é viver na verdade; fechar-se em si mesmo, vivendo como se fosse o próprio dono da vida, é viver numa mentira, excluído do Reinado de Deus (cf. Is 24,23; Sl 145/144.10s). Como ensinavam os rabinos de Israel, vivendo aberto para Deus no cumprimento da Sua Lei, o justo toma sobre si o jugo do Reino dos Céus…
4. Se observarmos bem, a ideia do Reinado de Deus está muito próxima da certeza da providência do Senhor, que tudo penetra, tudo orienta, tudo governa. Dizer que Deus reina significa afirmar que tudo Ele tem em Suas mãos benditas. Por isso mesmo, Tobit proclama o Reinado de Deus – “Bendito seja Deus, que vive eternamente, e bendito o Seu Reino, que dura pelos séculos!” (v.1) – e, logo depois, proclama a providência divina: “Pois é Ele quem castiga e tem piedade, faz descer às profundezas dos infernos e retira da grande Perdição!” (v. 2). Assim, porque o Senhor é Rei eternamente, Ele tudo dirige, Ele dirige os destinos do mundo e da história humana, Ele tem nas mãos a ventura e a desgraça, a vida e a morte! Nem mesmo o inferno está fora do Seu poderio! (cf. Dn 7,9s; Ap 4,2)
5. Os textos sagrados de Israel também dão conta de que o Senhor Deus manifestaria o Seu Reinado de um modo forte e triunfal no final dos tempos: Ele derramaria Sua bênção, pela ação do Seu Espírito, de modo que o Seu Reinado iria eliminar todo o mal, todo pecado, toda morte e, na força do Seu Espírito, Israel e toda a humanidade, a Terra Santa e toda a criação viveriam na bênção do Reinado de Deus. Ligada a esta bênção aparece a figura misteriosa do Messias, o Ungido, cheio do Espírito, que traria a plenitude do Reinado de Deus. Leia Is 11,1-11. Expressão muito importante desta esperança é o texto de Is 52,7: “Como são belos sobre os montes, os pés do mensageiro que anuncia a paz, do que proclama boas novas e anuncia a salvação, do que diz a Sião: ‘O teu Deus reina’”. É muito importante recordar que a versão grega do Antigo Testamento, utilizada pelos judeus da Diáspora e pelos primeiros cristãos, traduz “boa nova” por “evangélion”, isto é “evangelho”. Para tornar mais clara a compreensão do que estou dizendo, podemos afirmar, que o texto grego de Isaías soaria mais ou menos assim: “Como são belos sobre os montes, os pés do mensageiro que anuncia a paz, do que proclama o evangelho e anuncia a salvação, do que diz a Sião: ‘O teu Deus reina’”. Observe: qual é o evangelho que será anunciado? Este: “O teu Deus reina!” A boa notícia é a chegada do Reino de Deus, Reino de Vida divina, Reino de bênção, Reino que é a presença de Deus no meio do Seu Povo, sendo graça e bênção para todos os povos! Nunca esqueça: o evangelho anunciado no Antigo Testamento é o evangelho da chegada do Reino, o evangelho do Reino!
6. Agora leia com atenção Mc 1,14s. É o cumprimento da profecia de Isaías! Quem é o Mensageiro que anuncia a paz, o shalom de Deus? É Jesus, nosso Senhor! Qual é o Evangelho que Ele anuncia? O Reino de Deus chegou; está no meio de vós! (cf. Lc 17,21) O que é necessário para acolher verdadeiramente este Evangelho? A fé neste Evangelho da chegada do Reino e a conversão de toda a vida: deixar de ser o centro da própria existência, deixar de viver para si, do seu modo, e permitir, verdadeiramente, que Deus reine no seu coração, na sua vida.
Este Reino aparece claro e forte no próprio Senhor Jesus: Nele, Deus, o Pai reinou totalmente, absolutamente: “O Meu alimento é fazer a vontade do Pai e consumar a Sua obra!” (Jo 4,34) Guiado pelo Espírito do Pai, Jesus, nosso Senhor, foi totalmente obediente, deixando o Pai reinar de modo pleno em todos os aspectos da Sua vida e da Sua missão. Esta obediência total ao Pai, este reinado do Pai em Jesus Cristo, levou-O à Morte e à Ressurreição (cf. Fl 2,8-11; Hb 10,7). Agora, cheio do Espírito que o Pai derramou sobre Ele, o Salvador derrama este Espírito sobre os Seus (cf. At 2,33), para que tenham o mesmo Espírito do Filho (cf. Rm 8,15), na obediência total ao Pai, deixando que o Reino invada totalmente a vida deles e, através deles, aja no mundo!
7. O Reino não é deste mundo: não está em estruturas políticas ou sociais, não está nas ideias ou ideologias. Leia Lc 17,20-21. O Reino está onde está o Espírito Santo de Jesus, o Reino acontece onde as pessoas, cada pessoa, abre-se para o Senhor Deus, por Cristo, com Cristo e em Cristo, deixando-se transformar pelo Espírito filial do Cristo Jesus. Como diz uma antiga versão do Pai-nosso segundo Lucas: onde se lê: “Venha o Teu Reino” (Lc 11,2b),escreveu-se “Vosso Espírito Santo venha sobre nós e nos purifique!” Isto mesmo: venha ao nosso coração, à nossa vida, o Espírito do Cristo obediente ao Pai, Cristo morto e ressuscitado, e nos purifique do pecado original de toda autossuficiência, de todo fechamento em nós mesmos, de todo soberba egolatria, abrindo-nos para o Pai, com Cristo e como Cristo. Assim, onde estiver o Espírito de Cristo estará aí o Reino de Deus! Que esteja no nosso coração e, através de nós, no coração do mundo!
8. Pense: Quem reina na sua vida: você, com sua autossuficiência ou o Senhor? Pense em fatos e situações concretas que fundamentem sua resposta… Para rezar, tome os salmos 47/46 e 93/92. Depois, tome 1Cor 15,20-28. Finalmente, reze o prefácio da Solenidade de Cristo Rei:
“Na verdade, é justo e necessário, é nosso dever e salvação dar-Vos graças, sempre e em todo o lugar, Senhor, Pai santo, Deus eterno e todo-poderoso. Com óleo de exultação, consagrastes Sacerdote eterno e Rei do universo Vosso Filho único, Jesus Cristo, Senhor nosso. Ele, oferecendo-Se na Cruz, Vítima pura e pacífica, realizou a redenção da humanidade. Submetendo ao Seu poder toda criatura, entregará à Vossa infinita Majestade um Reino eterno e universal: Reino da verdade e da vida, Reino da santidade e da graça, Reino de justiça, do amor e da paz. Por essa razão, hoje e sempre, nós nos unimos aos anjos e arcanjos, aos querubins e serafins e toda a milícia celeste, cantando a uma só voz!”
Dom Henrique Soares da Costa
Bispo de Palmares
Fonte: Visão Cristã