Palmares, 22 de dezembro de 2024

“Não farás para ti imagem esculpida…” (I)

20 de fevereiro de 2020   .    Visualizações: 875   .    Palavra do Bispo

Repetidamente a Igreja católica tem sido acusada de ferir as Sagradas Escrituras ao admitir o uso de imagens e promover a sua veneração. Acusam-na até mesmo de permitir a adoração dessas imagens. Tal acusação é falsa e desprovida de sentido, além de gravemente caluniosa. Senão, vejamos:

1. Antigo Testamento

No Antigo Testamento é clara a proibição de fazer imagens: “Eu sou o Senhor teu Deus, que te fez sair da terra do Egito, da casa da escravidão. Não terás outros deuses diante de Mim. Não farás para ti imagem esculpida de nada que se assemelhe ao que existe lá em cima, nos céus, ou embaixo na terra, ou nas águas que estão debaixo da terra. Não te prostrarás diante desses deuses e não os servirás, porque Eu, o Senhor teu Deus, sou um Deus ciumento…” (Ex 20,2-5; cf. Dt 5,6-10).

Por que tal proibição? Porque a confecção de imagens estava ligada à prática idolátrica. Os povos vizinhos dos israelitas faziam imagens dos seus ídolos e pensavam que os seus deuses estavam de algum modo presentes nas suas imagens, de modo que o fiel podia controlar, manipular o seu deus através da imagem. Havia, então, três perigos para o povo de Israel:

a) fazer imagens do Senhor poderia fazer pensar que Ele seria um deus como os outros, um deusinho a mais, no meio de tantos deuses falsos;

b) fazer imagens do Senhor poderia dar a entender que Deus estaria presente na imagem, confundindo-Se com a própria imagem, obscurecendo assim a transcendência do Deus verdadeiro, que está nos Céu e é Senhor de tudo;

c) fazer imagens do Senhor poderia levar Israel a querer manipular a Deus, esquecendo-se que Ele é absolutamente livre e soberano.

Ora, o Deus de Israel é completamente diverso dos outros deuses: “O nosso Deus está no Céu / e faz tudo o que deseja. Os ídolos deles são prata e ouro, obra de mãos humanas: têm boca, mas não falam; / têm olhos, mas não veem; / têm ouvidos, mas não ouvem; / têm nariz, mas não cheiram; / têm mãos, mas não tocam; / têm pés, mas não andam; / não há um murmúrio na sua garganta. / Os que os fazem ficam como eles, / todos aqueles que neles confiam. / Casa de Israel, confia no Senhor!” (Sl 115,3-9). Ele não aceita ser confundido com os ídolos nem muito menos dividir com eles o amor, a adoração e a dedicação do Seu povo: “Não fareis deuses de prata ao lado de mim, nem fareis deuses de ouro para vós!” (Ex 20,23); “Não adorarás outro deus. Pois o Senhor tem por nome ‘Ciumento’: Ele é um Deus ciumento” (Ex 34,14); “Eu, o Senhor teu Deus, sou um Deus ciumento” (Dt 5,9); “Não seguireis outros deuses, qualquer um dos deuses dos povos que estão ao vosso redor, pois o Senhor teu Deus é um Deus ciumento que habita em teu meio” (Dt 6,14-15); “Ficai atentos a vós mesmos, para que o vosso coração não se deixe seduzir e não vos desvieis para servir a outros deuses, prostrando-vos diante deles” (Dt 11,16). As citações poderiam multiplicar-se (cf. Is 40,18; 44,9-12; Jr 10,2-5…).

É importante notar, no entanto, que as proibições severas de se fazer imagem estão sempre ligadas à afirmação de que somente o Senhor é Deus e à condenação absoluta da idolatria. Em outras palavras: o motivo pelo qual se proíbe a confecção de imagens é a idolatria, a adoração aos deuses pagãos, deuses falsos! O Senhor não aceita ser confundido com ídolos nem ser manipulado como um ídolo. Por isso mesmo, não aceita mostrar Seu Rosto: ele ultrapassa tudo quanto o homem possa imaginar! “Ficai muito atentos a vós mesmos! Uma vez que nenhuma forma vistes no dia em que o Senhor vos falou no Horeb, do meio do fogo, não vos pervertais, fazendo para vós uma imagem esculpida em forma de ídolo: uma figura de homem ou de mulher, figura de algum animal terrestre, de algum pássaro que voa no céu, de algum réptil que rasteja sobre o solo, ou figura de algum peixe que há nas águas que estão sob a terra. Levantando teus olhos ao céu e vendo o sol e a lua, as estrelas e todo o exército do céu, não te deixes seduzir para adorá-los e servi-los!” (Dt 4,15-19). Veja-se que a polêmica é sempre contra a idolatria, contra o perigo de confundir o Deus vivo com um deus falso, que pode até ser representado por imagem e, através da imagem, manipulado! “Minha face não se pode ver!” (Ex 33,23).

No entanto, quando não há o perigo da idolatria, de confundir o Deus de Israel com os falsos deuses, quando não há a tentação de manipular Deus, a Escritura permite claramente a confecção de imagens. É o próprio Deus quem ordena a Moisés: “Farás dois querubins de ouro, de ouro batido os farás, nas duas extremidades do propiciatório; faze-me um dos querubins numa extremidade e o outro na outra: farás os querubins formando um só corpo com o propiciatório, nas duas extremidades. Os querubins terão as asas estendidas para cima e protegerão propiciatório com suas asas, um voltado para o outro. As faces dos querubins estarão voltadas para o propiciatório” (Ex 25, 18-20). Antes, Deus havia proibido fazer imagem do que quer que fosse; agora manda colocar no propiciatório da Arca da Aliança, lugar sagrado por excelência, dois querubins de ouro! A Arca era considerada como sendo o pedestal do Deus de Israel; daí a expressão tão frequente no Antigo Testamento: “O Senhor que está sentado sobre os querubins”.(cf. 1Sm 4,4; 2Sm 6,2; 2Rs 19,15; Sl 79,2; 98,1) Trata-se das imagens dos querubins da Arca! É o próprio Deus quem manda! Por quê? Porque não há perigo de idolatria, de se confundir os querubins com o Senhor do céu e da terra!

Continuaremos num próximo texto…

Dom Henrique Soares da Costa
Bispo de Palmares


Fonte: Visão Cristã