Palmares, 26 de abril de 2024

Retiro Quaresmal 2020/33 “Felizes os que se abrigam no Senhor!” (Sl 2,12)

03 de abril de 2020   .    Visualizações: 667   .    Palavra do Bispo

Sexta-feira da V semana da Quaresma

Meditação XXXII: Purificada e convertida, uma bênção para o mundo

Reze o Salmo 119/118,73-80

Leia e reze ainda, como lectio divina, Tb 13 e avance até Tb 14.

1. Observe, agora, os vv. 5-7.9s. Nestes versículos aparece claramente o tema do castigo, isto é, da correção que o Senhor Deus provoca para fazer cair em si aos que Ele ama e convidá-los ao arrependimento e à conversão. Talvez pensemos, com nossa mentalidade atual: que amor é este, de Deus, que provoca, ou pelo menos permite, sofrimentos, dores e mortes? Não temos a resposta! Deus é Amor – isto sabemos com certeza (cf. 1Jo 4,7s); o Amor de Deus é real, verdadeiro, concreto, efetivo: Ele amou tanto o mundo que entregou o Seu Filho por nós (cf. Jo 3,16; Rm 8,38s). Mas o modo como Deus ama e atua o Seu amor nos ultrapassa de muito. Afirmar o Amor de Deus exige fé: nós cremos no amor de Deus! (cf. 1Jo 4,16) Os castigos corretivos do Senhor são por amor! Em tudo, na vida e na morte, Ele nos ama! Leia Rm 8,31-39.

A Dispersão de Israel é um fato histórico doloroso, que pode até ser explicado pelas condições históricas daquela época em que se deu; as Escrituras Santas, no entanto, à luz da fé, vão mais a fundo, e o interpretam como consequência do pecado de Israel, da sua infidelidade à Aliança. Leia Dt 28,47-68 e Jr 5,18s. É esta séria realidade que aparece aqui, nas palavras do velho Tobit: Israel perde tudo como castigo por suas iniquidades, mas, se se arrepender e voltar para o Eterno, Ele fará Seu Povo voltar, irá reuni-lo novamente na Terra Santa, em Jerusalém! Tome para você os vv. 6-7 e os reze agora!

2. Vamos adiante! Jamais, nas Escrituras e na fé da Igreja, fala-se de um amor de Deus ou de uma misericórdia do Senhor que sejam coniventes e tolerantes com o pecado! Chega-se até mesmo a afirmar que o Eterno “tolera a falta, a transgressão e o pecado”, mas no sentido de ter paciência com os faltosos, pois, logo após se afirma que Ele “a ninguém deixa impune o pecado”(Ex 34,7)! Numa reta compreensão do amor misericordioso de Deus nas Escrituras, é claro que o Senhor tem paciência e mostra-Se sempre disposto a perdoar, com a condição imprescindível que o pecador reconheça o seu pecado, chame de mal à sua situação de pecaminosidade, arrependa-se e volte ao Senhor pela luta sincera e firme para mudar sua situação de pecado! Leia Is 5,20-24 e Eclo 15,11-20/21. Não é por acaso nem de pouca importância que a primeira palavra do Senhor Jesus Cristo ao anunciar o Evangelho é o seríssimo chamado à conversão (cf. Mc 1,14s). Também não é à toa que o Senhor nos previne gravemente: “Eu vos digo: se não vos converterdes, perecereis todos do mesmo modo!” (cf. Lc 13,5). Lembre: a conversão é um processo que dura toda a nossa vida: trata-se de deixar-se a si próprio e voltar-se para o Senhor, trata-se de sair do centro e colocar o Senhor no centro da própria existência, trata-se de ver, compreender, sentir, falar e agir segundo Cristo e não segundo os próprios critérios! Leia Rm 1,18-32 e Ef 4,17-24. Reze o Sl 32/31.

3. Mais um aspecto importante! Esta necessidade de constante conversão valia para o antigo Povo de Deus e foi sempre recordada pelos profetas de Israel. O mesmo vale para cada um de nós, para mim, para você, ainda hoje. Mas, é necessário afirmar claramente que o mesmo vale para a Igreja, Novo Israel. E aqui, é necessária uma explicação bem clara!

Sendo Corpo de Cristo imolado e ressuscitado e Templo do Espírito Santo (cf. 1Cor 12,12s; Ef 4,14-16), a Igreja é indefectivelmente santa (cf. 1Pd 2,9s)! Ela não é santa e pecadora, mas somente santa, pois é habitação do Espírito Santo do Cristo! Ela, em si mesma, jamais será infiel e a Aliança nova e eterna jamais perecerá, pois é Aliança em Cristo, no Corpo de Cristo entregue na Cruz e glorificado na Ressurreição (cf. Ef 2,13-16). Porém, nos seus filhos, pastores e fieis, a Igreja experimenta o mistério do pecado, chegando a sofrer gravemente, sobretudo nos tempos como os atuais, de frieza na fé, arrefecimento na piedade, falta de visão sobrenatural e mundanismo. Ainda que o Senhor a ame e lhe continue fiel, “pois não pode renegar-Se a Si mesmo” (2Tm 2,13), no entanto, as consequências virão sempre: apostasia, perdição, empecilhos à ação evangelizadora, blasfêmia contra o Nome santíssimo de Deus e do Seu Cristo… E tudo isto, um dia será gravemente cobrado (cf. Mt 13,41; 18,7; Lc 17,1-3; ) Daqui, o dever sagrado de viver retamente e testemunhar com santa coerência o Evangelho da graça (cf. Tt 2,11-14)! Não se trata de procurar aplauso ou aprovação do mundo, dos meios de comunicação ou dos inimigos do Evangelho, mas de seguir o ensinamento do Senhor. Leia Mt 5,13-16 e 1Pd 2,11-17.

Pense nestas coisas… Pense nas situações e fatos da Igreja de hoje, da sua Diocese, sua paróquia, da sua comunidade, sua família; pense nos fatos da sua vida… Leia Ez 36,19-21. Reze o Sl 46/45.

4. Há ainda um tema importante nesta bênção de Tobit: Jerusalém, a Cidade santa (cf. vv. 9-17)! O shalem do nome da Cidade foi associado ao shalom” e muitos interpretam o nome de Jerusalém como sendo visão de shalom”, visão de paz, isto é, um sonho, um ideal, uma promessa da paz de Deus no meio de Israel e da humanidade, um caminho para aquela paz prometida pelo Senhor Deus ao Seu Povo e a toda a todas os povos da terra (cf. Sl 122/121,6-9)! Sendo assim, Jerusalém seria a concretização simbólica de toda bênção, de toda graça do Senhor para o Seu Povo santo e a humanidade, a realização de todas as promessas do Eterno.

No Antigo Testamento, ela é considerada a cidade de Melquisedec, o Rei da Paz (cf. Gn 14,18), portanto a cidade do “sacerdote do Deus Altíssimo”, imagem do próprio Filho de Deus (cf. Hb 7,1-2). Nos primeiros tempos de Israel em Canaã, era uma pequena fortaleza dos jebuseus, situada no Monte Sião, e foi conquistada por Davi, que fez dela a sua capital (cf. 2Sm 5,6ss). Originariamente, ocupando o Monte Sião, estendeu-se também até o Monte Moriá, onde Abraão, séculos antes, oferecera o sacrifício do filho Isaac a Deus. Também isto imagem do próprio Cristo no Seu Sacrifício e na Sua Ressurreição (cf. Hb 11,17-19). Aí, foi construído o Templo de Salomão (cf. 2Cr 3,1). Pense, meu caro Irmão, que simbologia bela: nos sacrifício oferecidos no Templo estaria sempre implicado o sacrifício de Isaac, imagem do sacrifício verdadeiro, perene e santo: o Sacrifício redentor do Cristo Jesus, o Filho amado, perfeição e cumprimento de todos os sacrifícios! Leia Hb 10,1-10.

No Templo estava a Arca de Deus, a Arca da Aliança. Na verdade ela era o coração do Templo, expressão da presença constante e fiel de Deus no meio do Seu Povo. Assim, Jerusalém tornara-se a Cidade da Arca e do Templo de Deus (cf. 1Rs 6 – 8), coração espiritual de todo o Povo Santo, habitação do Nome do Senhor (cf. 2Rs 23,26S; Sl 78/77,68s; 132/131,13-18; Sl 46/45; 48/47). Jerusalém foi se tornando imagem e personificação de todo o Povo de Israel. Dizer Israel, Sião e Jerusalém muitas vezes significa dizer a mesma coisa. Como Israel, ela é herança do Senhor (cf. Sl 79/78). Como Israel, a Cidade Santa prostituiu-se (cf. Is 1,21) e por isso, foi destruída (cf. Jr 7,14; Ez 11,1-12; 23; 24,1-14) em 587 aC e seus filhos levados para o Exílio na Babilônia para voltar a reconhecer o Senhor, convertendo-se novamente ao seu divino Esposo. Leia Os 2,4-22 e reze Lm 1 – 2.

Então, convertida, Jerusalém, como um sonho lindo de Deus, seria de modo perfeito Cidade da Justiça, seria fiel ao seu Deus (cf. Is 1,26ss) e Israel voltaria a adorar nela (Jr 31,6.12); nela Senhor estaria para sempre (Ez 48,35) e ela, como noiva desposada novamente (Is 54,4-10), vestiria novamente vestes festivas para o seu Senhor (Is 51,15 – 52,2). Desposada numa aliança de amor com o Senhor, a Cidade Santa veria seus filhos se multiplicaram (Is 54,1ss; 49,14-26) e tornar-se-ia, para a glória do seu Deus o centro religioso do universo (Ag 2,6-9; Is 60; 62). Numa visão que, sem dúvida, cumpre as promessas a Abraão de ser bênção para todos os povos (cf. Gn 12,1ss), Jerusalém seria mãe de todas as nações (Sl 87/86) e dela sairia um novo Povo (Is 66,6-14). Por fim, cumprindo seu último destino e finalidade, Jerusalém tornar-se-ia o lugar do julgamento final de todos os povos (Jl 4,9-17) e do Banquete do fim dos tempos, no qual o Senhor Deus encherá de vida plena toda a humanidade, consumando a obra da Sua salvação (Zc 12; 14)! Tudo isto é Jerusalém: mais que uma cidade, mais que pedra talhada, trata-se de uma promessa, um desejo, um sonho, uma certeza, uma esperança no Deus de Israel!

5. Atualmente, para os judeus piedosos, ela é a Cidade sagrada, de cujo pó Adão, o primeiro homem fora plasmado. Além do sacrifício de Abraão, os rabinos judeus ensinam que fora no Monte do Templo que Jacó dormira e teve o sonho com a escada que ligava a terra ao Céu. Para o judaísmo, Jerusalém fora formada no início da criação do mundo e é o coração do universo. A Cidade tinha qualidades milagrosas, de modo que sua área parecia expandir-se para acomodar todos aqueles que entravam pelas suas doze portas. Os judeus recitam suas orações voltados para Jerusalém e acreditam que é de lá, a partir dela, que toda oração sobre aos Céus, pois ela é portão de entrada da Morada do Altíssimo. Para Jerusalém se sobe sempre porque ela é o lugar mais elevado espiritualmente. No tempo do Messias – que os judeus ainda esperam –, Jerusalém será reconstruída com fogo divino, quando descer a perfeita e completa Jerusalém celeste, modelo da terrena. Esta Jerusalém que descerá dos Céus é objeto de ardente esperança de Israel!

Tudo isto está expresso, de certo modo neste cântico de Tobit.

6. Para nós, cristãos, todos estes desejos, esperanças, promessas e sonhos, realizam-se na nova, definitiva e verdadeira Jerusalém, que é a Igreja do Cristo, o Messias de Deus (cf. Gl 4,26s). A Igreja, novo e definitivo Israel, formado de todos os povos, é a Cidade Santa, a Jerusalém definitiva, Esposa do Cordeiro (cf. Ap 21,9), alicerçada sobre os Apóstolos de Cristo (cf. Ap 21,14). Esta Jerusalém é católica, acolhedora constantemente de todos os povos, com suas portas abertas em todas as direções (cf. Ap 21,12s). Ainda peregrina na terra, ela caminha para a plenitude da Glória e será para sempre iluminada pelo Cordeiro, regada pelo rio de água viva, que é o Espírito, e habitação da Glória de Deus, Tenda de Deus entre os homens, realização plena da humanidade. Leia, rezando, Ap 21,1 – 22,15. Reze o Sl 121/122.

Dom Henrique Soares da Costa
Bispo de Palmares


Fonte: Visão Cristã