Palmares, 19 de abril de 2024

Homilia para o VI Domingo Comum – Ano A

15 de fevereiro de 2020   .    Visualizações: 605   .    Homilias

Eclo 15,16-21
Sl 118
1Cor 2,6-10
Mt 5,17-37

Caros Irmãos, hoje a Palavra santa nos fala sobre a Lei de Deus. Logo de saída, impressiona a afirmação peremptória de Jesus, nosso Senhor: “Não penseis que vim abolir a Lei e os Profetas. Não vim para abolir, mas para dar-lhes pleno cumprimento. Em verdade, Eu vos digo: antes que o céu e a terra deixem de existir, nem uma só letra ou vírgula serão tiradas da Lei, sem que tudo se cumpra!”

Sejamos sinceros: um cristão deveria ficar inquieto com tais palavras, afinal nós não mais observamos a Lei de Moisés: não nos deixamos circuncidar, não guardamos o sábado, não somos contrários às imagens sagradas, não fazemos restrições alimentares, distinguindo entre alimento puro e impuro… E agora: como nos haveremos com a palavra tão clara de Jesus, nosso Senhor?

Mas, o que o Cristo deseja mesmo dizer? Ele afirma que não ter vindo abolir a Lei, veio cumpri-la. Atenção: cumprir aqui não significa obedecer à Lei, mas realizá-la, dar cumprimento ao que ela anunciou e prometeu! Assim, cumprindo a Lei, Jesus nossos Senhor a supera, como um botão que se cumpre na flor. Pensai, irmãos: o botão prepara a flor e sem botão não há flor. Mas, o botão existe para tornar-se flor e, quando se torna, cumpre-se, passa, deixando lugar à flor. É assim que o Senhor cumpre a Lei: realiza o que ela anunciou e a supera. Diante do Cristo Salvador, como o Velho Simeão, a Lei bem que poderia dizer: “Agora, Senhor, podes deixar Tua serva ir em paz. Meus olhos viram a Tua salvação que prometeste!” (Lc 2,29s). O Senhor Jesus não abole a Lei, não a despreza; cumpre-a plenamente e, cumprindo-a em todos os seus aspectos, até a última vírgula, supera-a definitivamente! Com a chegada do nosso Salvador, com Sua santa Morte e Ressurreição, nem uma letra, nem uma vírgula da Lei ficou em vão: tudo se cumpriu Nele, que é a plenitude da Lei e dos profetas. Por isso mesmo, no Tabor, Moisés e Elias, a Lei e os profetas, apareceram envoltos na Glória de Jesus (cf. Lc 9,29-32). É Ele, o Santo Messias, Nosso Senhor, Quem leva a Lei e os profetas à plenitude do cumprimento! É Ele – e só Ele – que, realizando tudo quanto a Antiga Aliança legislou e profetizou, a tudo deu cumprimento e a tudo superou num sentido pleno, perfeito e glorioso.

Talvez algum de vós pergunte: Então não há mais lei alguma no cristianismo? Os cristãos são livres para fazerem como bem desejarem, para viverem como bem imaginarem, tudo em nome da bondade e da misericórdia de Deus revelada em Jesus? Hoje, há muitos que pensam assim… Não, queridos irmãos! Este pensamento seria totalmente falso! “Não vos iludais: De Deus não se zomba: O que o homem semear, isso colherá: quem semear na sua carne, da carne colherá corrupção; quem semear no espírito, do Espírito colherá a Vida eterna!” (Gl 6,7s) O próprio São Paulo nos previne ainda contra esta ideia torta: “Iremos pecar porque não estamos sob a Lei, mas sob a graça? De modo algum!” (Rm 6,15) – ele mesmo responde! A Lei de Moisés foi superada, mas o cristão vive sob uma nova Lei, muito mais santa, profunda e exigente, dada no Espírito Santo de Amor, Espírito de Cristo Jesus, Espírito de Amor! Por isso mesmo, o Espírito foi derramado sobre a Igreja no dia de Pentecostes, festa judaica que celebrava o dom da Lei. Para os discípulos de Cristo, a Lei é o Espírito de Amor que, no Batismo foi derramado nos nossos corações (cf. Rm 5,5); o cristão vive agora debaixo da Lei do Espírito de Cristo! Por isso o Apóstolo diz: “Vós não viveis segundo a carne, mas segundo o Espírito, se realmente o Espírito de Deus habita em vós!” E previne: Se alguém não tem o Espírito de Cristo, não pertence a Cristo!” (Rm 8,9).  Portanto, é Ele, esse Santo Espírito, Quem nos dá a Vida de Cristo, os sentimentos de Cristo, a sabedoria de Cristo, tão diferente daquela do mundo, para vivermos segundo Cristo. É o que diz o santo Apóstolo na Epístola de hoje: quem pode compreender os preceitos do Senhor? Somente os que são sábios segundo Deus! Mas, essa sabedoria de Deus é escondida aos olhos do mundo, à lógica da nossa sociedade; é uma sabedoria que desde a eternidade Deus destinou para nossa glória! Nenhum dos poderosos deste mundo conheceu tal sabedoria! E São Paulo adverte: “Se a tivessem conhecido não teriam crucificado o Senhor da Glória”. A sabedoria do mundo, fechada para o Espírito de Cristo, mata o Senhor da Glória no nosso coração! A verdadeira sabedoria, da verdadeira Lei, somente pode ser revelada através do Espírito, que “esquadrinha as profundezas de Deus!”.

Compreendei, Irmãos: é o Espírito que Cristo nos deu no Batismo e nos dá sempre de novo nos sacramentos da Igreja, é Ele, esse Espírito de Amor, Quem imprime em nós a nova Lei, a Lei do Amor! Para os cristãos, a Lei, os mandamentos, resumem-se nisto: amar ao Senhor Deus e amar os irmãos como Cristo Jesus amou! E amou até entregar-Se na Cruz! Eis a Lei de Cristo, eis a medida, eis o desafio, eis nosso consolo (porque ela é tão bela!), eis a nossa desolação (porque, por nós mesmos, é impossível amar assim, na medida de Cristo!)… Pensando na Lei do Senhor Jesus, sigamos o conselho do Eclesiástico: guardemos o preceito de amor do Senhor e viveremos Nele, graças a presença do Seu Espírito de Amor em nós! Deixemos conduzir pelo Espírito, obedeçamos a voz do Espírito em nós, pois “o Senhor não mandou ninguém agir como ímpio e a ninguém deu licença de pecar”, muito menos pecar contra o Espírito Santo de Amor, que nos impele a amar como Jesus amou! Mas, irmãos meus, coragem: o que é impossível ao homem não é impossível ao Senhor! Por isso Ele nos deu o Seu próprio Espírito: para que impulsionados por Ele, nós tenhamos em nós os Seus sentimentos, as Suas atitudes, cumprindo o preceito do Apóstolo: “Tende em vós os mesmos sentimentos do Cristo Jesus” (Fl 2,5).

Agora sim, podemos compreender a palavra do Senhor Jesus: “Eu vos digo: se a vossa justiça não for maior que a justiça dos escribas e dos fariseus, vós não entrareis no Reino dos Céus!”.  Vede bem: a justiça, isto é a religiosidade, o cumprimento da Lei por parte dos escribas e fariseus, resumia-se na Lei de Moisés, tinha a Lei de Moisés como critério. Ainda hoje, isto serve para os judeus, não para nós! Para o cristão, a Lei é o Espírito de Cristo, Espírito de Amor, que nos imprime no coração os sentimentos de Cristo Jesus! A justiça do cristão, sua prática religiosa, deve ultrapassar a dos escribas e fariseus, pois é impulsionada pelo Espírito de Jesus imolado e ressuscitado! Por isso mesmo, no Evangelho de hoje, o Senhor dá três exemplos da Lei de Moisés e os radicaliza, indo direto ao espírito mais profundo contido neles. São apenas exemplos, que nos mostram que o Espírito de Amor em nós, Espírito Santo de Cristo, leva-nos a amar na medida de Cristo, Ele que nos amou sem medida! Que coisa, que mistério, que desafio: diante do amor de Cristo, jamais poderemos estar em dia, tranquilos, achando que merecemos um prêmio de cumprimento da Lei! Diante Dele, por nós entregue, morto e ressuscitado, seremos sempre tão pequenos, tão devedores, tão deficitários!

Pensemos nestas coisas, amados no Senhor, e deixemo-nos guiar pelo Espírito de Cristo! Que Ele mesmo venha amar em nós e nos fazer sentir como Jesus, pensar como Jesus, falar como Jesus, agir como Jesus, viver como Jesus – esta é a Lei e os profetas! A Cristo nosso Senhor, plenitude e cumprimento da Lei do Espírito, que nos libertou da Lei de Moisés, a glória pelos séculos eternos. Amém.

Dom Henrique Soares da Costa
Bispo de Palmares


Fonte: Visão Cristã